
Imagine a cena: pais ansiosos, coração transbordando de alegria, chegando ao cartório para registrar a filha recém-nascida. Tumi Mboupe — um nome que carrega história, ancestralidade, identidade. Mas eis que o funcionário do cartório simplesmente trava. "Não pode", diz ele. "Esse nome não é brasileiro o suficiente."
O que se seguiu foi um verdadeiro suplício para a família. Horas de discussão, argumentos trocados, até que — pasmem — a solução "provisória" encontrada foi registrar a menina como "recém-nascida de Kelly". Sim, você leu direito. Uma criança com nome, com história, reduzida a uma designação impessoal.
O nome que carrega história
Tumi Mboupe não é apenas uma combinação de sons bonitos. Vem do dialeto manjaco, falado na Guiné-Bissau, e significa "a menina que nasceu depois dos gêmeos". Cada sílaba conta uma história familiar, uma ligação com raízes que atravessaram o Atlântico.
Mas parece que para alguns, certas histórias são menos válidas que outras. O cartório alegou — preparem-se — que o nome "não soa brasileiro" e poderia causar "constrangimento" à criança no futuro. Como se constrangimento maior houvesse que ter sua identidade negada no próprio documento de identidade.
Uma tarde de tortura burocrática
Foram mais de quatro horas nesse vai e vem. A mãe, Kelly Cristina Silva, tentando explicar, argumentar, defender o direito da filha à própria identidade. O funcionário, inflexível, agarrado a um suposto regulamento — ou será que era preconceito disfarçado de burocracia?
No final, o cansaço falou mais alto. A família aceitou o registro provisório, mas a luta está longe de acabar. "Vamos recorrer", afirmou a mãe, com uma determinação que só quem luta por algo maior que si mesmo consegue ter.
Não é a primeira vez
O mais revoltante? Essa não é uma situação isolada. Brasil afora, cartórios frequentemente criam obstáculos para nomes indígenas, africanos, ou qualquer coisa que fuja do repertório tradicional português. É como se existisse uma lista secreta dos "nomes permitidos" — e tudo que foge dela precisa de justificativa extra.
O que esses funcionários não entendem — ou se recusam a entender — é que o Brasil é feito justamente dessa mistura. Da diversidade que torna nosso país tão rico, tão único. Negar um nome africano é negar parte fundamental do que nos constitui como nação.
E agora?
A família já acionou a Defensoria Pública. A batalha jurídica promete, mas o dano emocional já está feito. Imagino a cena futura: Tumi Mboupe crescendo, olhando sua certidão de nascimento, vendo que seu primeiro registro oficial a chamava de "recém-nascida" — como se fosse uma coisa, não uma pessoa.
Enquanto isso, o cartório se escuda no Artigo 55 da Lei de Registros Públicos, que proíbe nomes que "exponham ao ridículo". Ridículo, meus amigos, é achar que um nome carregado de história e significado pode ser considerado motivo de vergonha.
O caso aconteceu em Juiz de Fora, mas poderia ter sido em qualquer lugar desse Brasil que ainda precisa aprender a abraçar todas as suas faces. Inclusive — e especialmente — as que vêm da África.