Um casal palestino originário da Faixa de Gaza finalmente conseguiu autorização para entrar no território brasileiro nesta segunda-feira (24), após passar quatro dias confinado na área restrita do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. Yahya Ali Owda Alghefari, de 30 anos, e Tala Z. M. Elbarase, de 25 anos, desembarcaram no Brasil na última quinta-feira (20) e aguardavam desde então a concessão de refúgio humanitário.
Batalha jurídica pela permanência
De acordo com o advogado Willian Fernandes, que representou o casal, a liberação só foi possível após uma decisão judicial que impediu a repatriação dos palestinos. A Justiça Federal concedeu liminar proibindo a devolução do casal para Gaza, determinando que ambos permanecessem sob custódia da Polícia Federal até uma nova decisão.
"Houve a liberação hoje, mas tivemos que conseguir uma liminar para evitar a repatriação. Se eles tivessem sido repatriados não haveria mais o que fazer", explicou Fernandes ao g1. O advogado criticou o comportamento da Polícia Federal, afirmando que a instituição agiu "completamente contrário às normativas que tratam do direito ao refúgio".
Novas regras para imigração em trânsito
O caso do casal palestino ocorre em um contexto de mudanças nas regras de acolhimento de imigrantes sem visto de entrada que pedem refúgio no Brasil. Desde agosto de 2024, passageiros sem visto que estejam em trânsito pelo país podem ser barrados pela Polícia Federal ao solicitarem refúgio.
Segundo o Ministério da Justiça, a medida foi tomada com base em dados da PF que indicavam aumento no fluxo de imigrantes usando o Aeroporto de Guarulhos como rota para destinos fora do Brasil, especialmente América do Norte. A PF alegou que esses grupos estariam agindo por orientação de coiotes, criminosos especializados em migração ilegal.
Yahya e Tala chegaram ao Brasil em um voo proveniente do Egito com destino final previsto para a Bolívia, mas decidiram permanecer no país e solicitar proteção internacional. Imediatamente após o pouso, procuraram a Polícia Federal para manifestar formalmente a intenção de pedir refúgio, mas, segundo o advogado, a PF não registrou o pedido verbal e passou a tratá-los como passageiros em trânsito.
Condições degradantes no aeroporto
O Ministério Público Federal já se manifestou contra as novas regras. Em outubro, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enviou recomendação ao Ministério da Justiça pedindo a anulação da medida. O documento relata condições precárias enfrentadas por imigrantes retidos no aeroporto.
Durante visita técnica em 8 de outubro, a Procuradoria constatou que 109 estrangeiros aguardavam processamento de pedidos de refúgio divididos em três espaços do aeroporto. O relatório descreve situações preocupantes: "As condições eram degradantes, com pessoas deitadas no chão, com camas improvisadas feitas por mantas. O local é frio, com ar-condicionado funcionando ininterruptamente, assim como as luzes brancas acesas 24h por dia".
Alguns migrantes relataram que em 30 dias só tiveram oportunidade de tomar três banhos, já que os espaços não possuem chuveiros.
Vida nova no Brasil
Com o protocolo de refúgio já registrado, Yahya e Tala podem agora levar uma vida normal no Brasil, incluindo trabalhar e emitir documentos. O casal foi acolhido por amigos palestinos e começará uma nova vida no país.
O Ministério da Justiça confirmou em nota que o pedido de refúgio foi protocolado na Polícia Federal na manhã de segunda-feira e que, após o processamento do pedido, seria permitido o ingresso do casal no território nacional, nos termos da Lei nº 9.474/1997.
A decisão final sobre a concessão do refúgio pode levar um ano ou mais, mas o casal já está em segurança longe da zona de guerra em Gaza, conforme destacou seu advogado: "É uma questão humanitária. Eles precisavam sair da zona de guerra. Eles são da Faixa de Gaza".