O afroempreendedorismo conquista espaço significativo em Mato Grosso, representando 47,6% dos pequais negócios ativos no estado, segundo levantamento realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Mato Grosso (Sebrae-MT).
Mais que negócios: identidade e ancestralidade
Embora o termo "afroempreendedorismo" ainda não figure nos dicionários convencionais, ele ganha força em diversas iniciativas que representam muito mais que transações comerciais. Trata-se de resgate de ancestralidade, valorização da identidade e promoção da cultura negra, seja na liderança de empresas, na gastronomia ou na estética.
Um exemplo inspirador é o de Milena Neris Araújo, de 43 anos, que ingressou no mundo do empreendedorismo em 2012. Enquanto muitas pessoas acreditavam que "o mundo iria acabar" naquele ano, ela tomou uma decisão oposta: pausou os estudos para concurso público e deu o primeiro passo rumo à própria autonomia financeira.
"Quando eu me vejo transitando nesses meios, eu vejo a importância de resistir a tudo isso como uma mulher preta. Hoje eu tenho um excelente faturamento, porque lá atrás eu tive essa autonomia, essa liberdade", afirma Milena.
Da advocacia ao empoderamento coletivo
Após anos enfrentando altos e baixos, Milena conseguiu se estabilizar no mercado. Formada em Direito, hoje ela comanda uma empresa especializada em consultorias para gestão de negócios, oferecendo treinamentos nas áreas de liderança, comunicação, inteligência emocional, resolução de conflitos e otimização de reuniões.
Para ela, capacitar pessoas vai além da profissionalização. É também um caminho para abrir espaço e fortalecer outros profissionais negros, especialmente mulheres, ampliando oportunidades e criando ambientes mais inclusivos.
"Quando eu finalizo um treinamento e a gente tira uma foto no final, eu percebo muitas vezes que cerca de 90% da turma são de pessoas brancas. Então eu me sinto ainda mais motivada para continuar esse cenário e poder inspirar outras mulheres a transitar por todos esses lugares", relata.
Desafios estruturais e conquistas
O estudo do Sebrae, realizado com 1.951 empreendedores que se autodeclaram pretos ou pardos, revela que quase metade dos negócios do estado é liderada por pessoas negras, mas muitos enfrentam uma jornada marcada por desafios econômicos, sociais e emocionais.
Os principais obstáculos identificados pela pesquisa são:
- Falta de capital inicial (41,5%)
- Burocracia (41,3%)
- Dificuldade de acesso a crédito (32,5%)
Apesar da alta participação no mercado, muitos desses negócios ainda começam com recursos próprios e têm dificuldade para acessar financiamentos formais. A informalidade, no entanto, diminuiu em comparação com pesquisas anteriores, representando apenas 15% das empresas que ainda não possuem CNPJ.
Embora índices de discriminação racial e de gênero tenham aparecido com percentuais menores (5,8% e 4,4%, respectivamente), o Sebrae alerta que esses números não podem ser ignorados, pois influenciam diretamente a trajetória individual dos empreendedores.
Diferenças de gênero e inovação
A pesquisa também revela diferenças significativas nas prioridades e oportunidades entre homens e mulheres no afroempreendedorismo. Enquanto mulheres associam o empreendedorismo a paixão, propósito e flexibilidade, homens relacionam a atividade a oportunidade e crescimento, com foco econômico mais direto.
Outra diferença apontada é o modo como buscam o crescimento profissional: homens priorizam recursos financeiros, enquanto mulheres buscam orientação personalizada para organizar negócios que avançam mesmo com a rotina familiar intensa.
Quase oito em cada dez afroempreendedores dependem das redes sociais para vender e divulgar seus serviços. O uso de ferramentas mais robustas, como softwares de gestão ou e-commerce, ainda é minoria, refletindo o alto custo e o acesso desigual à digitalização.
Mesmo com essas limitações, 83,6% consideram a inovação essencial para crescer, demonstrando interesse em tecnologias mais estruturadas, mas enfrentando a falta de meios para implementá-las.