O relatório que propõe a regulamentação do trabalho por aplicativos no Brasil, apresentado pelo deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), está gerando uma onda de apreensão entre diferentes setores da sociedade. Empresas do setor, entidades de defesa do consumidor e até uma parcela dos próprios trabalhadores temem que as novas regras possam levar a um aumento generalizado dos custos, encarecendo serviços de transporte e entrega e reduzindo a demanda.
Os pontos polêmicos da proposta
Apesar de não estabelecer um vínculo empregatício formal para motoristas e entregadores, o texto, na prática, equipara as plataformas digitais a um tomador de serviços, impondo uma série de responsabilidades similares às da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entre as obrigações previstas, está o pagamento de um adicional de 30% em dezembro, funcionando como uma espécie de décimo terceiro salário.
O projeto também determina remuneração maior para serviços prestados aos domingos e feriados, assim como para o trabalho realizado entre 22h e 5h, em um formato análogo ao adicional noturno. Além disso, o relatório menciona a necessidade de cumprimento de normas regulamentadoras de "higiene e segurança laboral", termos tipicamente encontrados na legislação trabalhista tradicional.
A articulação por trás do texto
O viés fortemente trabalhista da proposta tem uma explicação clara: uma intensa articulação de figuras ligadas ao Direito do Trabalho durante sua construção. Um dos principais mentores do texto entregue pelo relator é o consultor legislativo Charles da Costa Bruxel, que atuou lado a lado com o deputado Coutinho.
A proximidade ficou evidente durante a sessão da Comissão Especial da Câmara, em 10 de dezembro, quando o relator demonstrou dúvidas sobre aspectos técnicos. Bruxel, que estava presente, se aproximou, orientou-o de pé e, depois, sentou-se ao lado do parlamentar para fornecer esclarecimentos frequentes sobre o próprio texto que ajudou a elaborar.
A trajetória de Bruxel reforça seu alinhamento com a visão trabalhista: ex-servidor e dirigente sindical do Tribunal Regional do Trabalho do Ceará, aprovado em concurso para juiz trabalhista, ele optou por assumir o cargo de consultor legislativo na Câmara. Em sua produção acadêmica, deixou clara sua posição contrária à flexibilização da CLT e criticou a chamada "pejotização".
Pressão externa e reações ao projeto
À influência interna somou-se uma pressão externa significativa. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, tem usado a estrutura da corte para criticar o modelo das plataformas e defender a análise do tema pela Justiça do Trabalho. Ele teve diversas reuniões com o relator, que chegou a afirmar que seu texto "tem o apoio do TST".
O governo federal também entrou na articulação nas últimas semanas. Os ministros Guilherme Boulos (Secretaria-Geral da Presidência) e Luiz Marinho (Trabalho) se reuniram com Coutinho. Boulos tentou incluir uma tabela de preço mínimo de R$ 10 para corridas e entregas, mas o valor acordado e previsto no relatório ficou em R$ 8,50.
As reações ao conteúdo do relatório foram imediatas e críticas. A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) alertou que a proposta tem potencial para dobrar o valor das entregas e fazer com que as corridas por aplicativo atinjam patamares similares aos dos táxis. A entidade classificou o projeto como "trágico", capaz de tornar os serviços impraticáveis para os 125 milhões de brasileiros que hoje os utilizam.
A Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor reconheceu avanços em transparência e proteção social, mas alertou que o texto mantém mecanismos que podem elevar significativamente o custo final para o consumidor, afetando o acesso e a sustentabilidade dos serviços.
Diante do volume de críticas e das dúvidas sobre o impacto econômico, os deputados da Comissão Especial adiaram a leitura oficial do relatório para uma nova sessão, marcada para terça-feira, 16 de dezembro. Ainda há a possibilidade de um pedido de vista, o que, devido ao recesso parlamentar, impediria a votação ainda este ano.