Uma pesquisa recente da Harvard Business School revela que a substituição de humanos por inteligência artificial no mercado de trabalho enfrenta barreiras que vão muito além da capacidade técnica. O estudo mostra que questões morais e culturais podem proteger determinadas profissões da automação, mesmo quando esta se torna tecnologicamente viável.
O que a pesquisa revelou sobre automação e moralidade
Os professores Simon Friis e James W. Riley conduziram um estudo abrangente com 2.357 adultos norte-americanos, analisando 940 ocupações diferentes. A pesquisa, atualizada em 11 de novembro de 2025, investigou como a população reage à ideia de inteligência artificial assumir funções humanas em diversas profissões.
Os resultados são reveladores: quando se trata da IA atual, apenas 30% das ocupações teriam apoio público para serem automatizadas. No entanto, quando os pesquisadores descreviam uma IA "melhor e mais barata do que humanos", esse número praticamente dobrava, chegando a 58%.
As profissões mais protegidas da automação
Os pesquisadores identificaram um grupo de ocupações que o público considera "repugnante" automatizar, mesmo diante da promessa de perfeição tecnológica. A lista inclui:
- Clérigos e líderes religiosos
- Cuidadores e trabalhadores de creche
- Terapeutas de família e casais
- Juízes administrativos e oficiais de audiência
- Atletas e competidores esportivos
- Artesãos e artistas manuais
- Policiais e patrulheiros
- Atendentes funerários
- Barbeiros
- Atores
O que essas profissões têm em comum? Todas estão concentradas em áreas que envolvem vínculo humano, empatia, criatividade e espiritualidade.
Economia moral do trabalho: o conceito por trás da resistência
Os autores do estudo desenvolveram o conceito de "economia moral do trabalho", que representa um conjunto de convicções sobre dignidade, cuidado e propósito que define o que pode ou não ser delegado à inteligência artificial.
Esta perspectiva ajuda a desmontar a ideia de que o avanço da IA seguirá um roteiro inevitável, ditado apenas pela eficiência técnica. Na prática, significa que alguém pode desenvolver uma inovação espetacular, mas precisará convencer o público de que aquilo é o melhor caminho.
No extremo oposto, as profissões com maior aceitação para automação incluem operadores de extração de petróleo e gás, caixas de loja, zeladores, faxineiros, digitadores e outras funções administrativas repetitivas.
E no Brasil? Como seria essa fronteira moral?
Embora o estudo tenha focado na população dos Estados Unidos, os pesquisadores sugerem que no Brasil a fronteira moral provavelmente se desenharia de forma similar, mas com nuances importantes.
A desigualdade social e o peso do trabalho informal tornam o impacto da automação mais assimétrico no contexto brasileiro. Funções que nos Estados Unidos seriam protegidas por princípio moral podem ser substituídas simplesmente por necessidade econômica.
Por outro lado, o brasileiro valoriza significativamente o contato humano - o médico que dá atenção, o professor que acolhe, o padre que aconselha - e tende a resistir à ideia de que essas relações possam ser mediadas por uma máquina.
O estudo reforça que, mais do que o avanço técnico, é a mudança cultural que vai pautar a inserção da IA no mercado de trabalho. A aceitação pública continuará sendo um fator decisivo para determinar quais profissões serão efetivamente automatizadas nos próximos anos.