Investimento na China à beira de 1ª queda anual em 30 anos
China perto de 1ª queda anual de investimento em 30 anos

O ritmo de investimentos na China desacelerou de forma brusca no mês de novembro, colocando o país à beira de um marco histórico negativo: o primeiro recuo anual em mais de três décadas. Os dados mais recentes reforçam a percepção de que a profunda crise do setor imobiliário continua a contaminar o conjunto da economia da segunda maior potência mundial.

Queda acentuada e abrangente

De acordo com informações divulgadas pelo Escritório Nacional de Estatísticas da China, os investimentos em ativos fixos – que englobam imóveis, infraestrutura e indústria – registraram uma retração de 2,6% no acumulado entre janeiro e novembro de 2025. A análise mês a mês, porém, revela um quadro ainda mais preocupante.

Estimativas da consultoria Capital Economics indicam que, apenas em novembro, a queda foi de 11,1% na comparação com o mesmo mês de 2024. Este foi o segundo mês consecutivo com uma retração em dois dígitos, sinalizando que a perda de força ganhou impulso no segundo semestre.

Se confirmada no fechamento de dezembro, esta será a primeira contração anual desde o final dos anos 1980, período que marcou o início da rápida expansão econômica chinesa. Por mais de 30 anos, o país sempre registrou crescimento anual nos investimentos em fábricas, obras públicas e construções.

A crise que se espalha

O investimento em imóveis, que por décadas foi um dos pilares centrais do crescimento chinês, continua a cair de forma acentuada. No entanto, o dado mais alarmante é que o problema agora se mostra generalizado.

Pela primeira vez, também houve quedas significativas nos investimentos em infraestrutura e no setor industrial, algo até então incomum na trajetória econômica do país. Esse movimento combinado reflete três fatores principais:

  • A crise prolongada do mercado imobiliário, que abalou profundamente a confiança de investidores e consumidores.
  • A severa perda de receita dos governos locais, historicamente dependentes da venda de terrenos para financiar obras.
  • A tentativa de Pequim de conter a competição excessiva e a superprodução em setores industriais, o que tem adiado a aprovação de novos projetos e fábricas.

Para analistas, esse cenário evidencia que os desequilíbrios da economia chinesa são mais amplos e estruturais, difíceis de serem corrigidos apenas com pacotes pontuais de estímulo.

Consumo fraco e risco de novos calotes

Outros indicadores divulgados reforçam o panorama de desaceleração. As vendas no varejo cresceram apenas 1,3% em novembro, o ritmo mais lento em quase três anos. O número indica que o consumo das famílias permanece fraco, mesmo diante de sucessivas medidas de incentivo lançadas pelo governo.

No front imobiliário, a situação permanece tensa. A Vanke, uma das maiores incorporadoras do país, não conseguiu a aprovação inicial para adiar o pagamento de títulos que venceram nesta semana, aproximando-se de um possível calote. A empresa informou que ainda tem um prazo de carência de cinco dias úteis para tentar uma renegociação com seus credores.

Casos como o da Vanke se somam aos colapsos de outras gigantes do setor nos últimos anos, como a Evergrande e a Country Garden, reforçando a visão de que a crise imobiliária está longe de encontrar uma solução definitiva.

O difícil reequilíbrio do modelo de crescimento

As autoridades chinesas afirmam que o investimento em áreas consideradas estratégicas, como energia limpa e tecnologias verdes, continua crescendo e deve sustentar o crescimento no médio e longo prazo. De fato, a China vem liderando globalmente a expansão de setores como carros elétricos, painéis solares e baterias.

Esse movimento está alinhado à estratégia oficial de reduzir a dependência do setor imobiliário e das grandes obras, apostando mais em indústria de alta tecnologia, exportações e transição energética. Nesse sentido, o país acumula um superávit comercial recorde, próximo de US$ 1 trilhão, impulsionado pelas vendas externas.

Ainda assim, economistas avaliam que esse novo modelo de crescimento, focado em setores de ponta e exportações, não tem sido suficiente para compensar a fraqueza do mercado interno, especialmente o consumo e o investimento doméstico.

O grande desafio para a China agora é estabilizar os níveis de investimento sem recorrer ao velho padrão de endividamento excessivo que marcou ciclos anteriores de estímulo – e que está justamente na raiz da atual crise. O caminho para um reequilíbrio sustentável parece estreito e cheio de obstáculos.