
Imagine trabalhar o mês inteiro e, quando o salário cai na conta, saber que a maior parte dele já tem dono. Não é o agiota da esquina, mas sim o proprietário do imóvel. Essa é a sina de milhares de cariocas que vivem sob o peso de um aluguel estratosférico.
Um estudo recente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) joga luz sobre um problema que muitos já sentiam na pele: no Rio, as famílias com renda mais baixa — estou falando de até três salários mínimos — estão comprometendo uma fatia absurda de 65% do seu orçamento apenas para manter o teto sobre suas cabeças. Sessenta e cinco por cento! Quase dois terços de tudo que ganham.
É como se a cada três dias trabalhados, dois fossem exclusivamente para o aluguel. Sobra pouco — muito pouco mesmo — para o resto: comida, transporte, remédio, educação. A conta, claro, não fecha. E o buraco só aumenta.
O abismo entre os bairros: Zona Sul x Subúrbio
O que mais choca no levantamento é a disparidade gritante entre as diferentes regiões da cidade. Enquanto na Zona Sul e na Barra da Tijuca o porcentual fica em torno de 20% (o que já não é pouco, convenhamos), nas áreas periféricas e no subúrbio esse número dispara de forma alarmante.
Parece contra intuitivo, não? Afinal, os imóveis são mais baratos longe do asfalto nobre. A questão, no entanto, é que a renda dessas famílias é exponencialmente menor. O buraco é mais embaixo. O preço do aluguel pode ser menor em绝对值, mas o esforço para pagá-lo é infinitamente maior. A conta é simples, mas o resultado é cruel.
Além do aluguel: o custo invisível da distância
E não é só o aluguel que pesa no bolso. Quem é empurrado para longe do centro acaba gastando uma pequena fortuna — e um tempo precioso — no transporte. São horas perdidas no trânsito ou apertado em trens e ônibus lotados. Tempo que poderia ser usado para descansar, estudar ou estar com a família. Um desgaste físico e mental que não aparece no extrato bancário, mas que tem um custo altíssimo.
É uma espiral perversa: você se muda para longe para pagar menos aluguel, mas gasta mais com deslocamento e perde qualidade de vida. No final, o suposto 'barato' sai caríssimo.
Um problema que vai além da economia
Os especialistas são claros: isso não é apenas uma questão econômica, é um grave problema social de acesso à moradia digna. Quando uma família destina tão grande parte de sua renda para a habitação, ela é forçada a abrir mão de outros direitos básicos. A alimentação fica mais precária, o lazer desaparece, e qualquer imprevisto — uma doença, um conserto no carro — vira uma catástrofe financeira.
O estudo da Fipe, encomendado pelo Secovi Rio, serve como um alerta urgente. Um sinal amarelo — quiçá vermelho — para o poder público. Mostra que a crise habitacional não é uma ameaça futura, mas uma realidade devastadora no presente para uma enorme parcela da população.
O que fazer? Bem, as soluções são complexas e passam, inevitavelmente, por políticas públicas sérias de incentivo à construção de moradias populares e de regulamentação do mercado locatário. Enquanto isso não acontece, o jeito é se virar nos 30 — ou, no caso, nos 35% que sobram do salário.