O mercado financeiro global vive um intenso debate sobre até onde as bolsas americanas podem subir impulsionadas pelas ações de tecnologia. Nos últimos anos, as big techs e empresas de inteligência artificial dominaram os principais índices dos Estados Unidos, acumulando recordes consecutivos de valorização.
Esse movimento, que antes interessava principalmente analistas e investidores institucionais, agora desperta entusiasmo também entre pessoas físicas e iniciantes. Com esse fenômeno, retorna uma dúvida clássica: estamos diante de uma bolha nas empresas de IA?
Pesquisa revela preocupação do mercado
Uma pesquisa global recente do Bank of America (BofA) mostra que 54% dos gestores financeiros consultados acreditam que os investimentos nas chamadas "Sete Magníficas" estão excessivamente concentrados. Este grupo inclui as sete maiores empresas de tecnologia do mundo: Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla.
Na prática, isso indica que esses gestores veem muitos investidores fazendo a mesma aposta na valorização das companhias de tecnologia - o que pode elevar o risco de uma correção mais intensa no mercado, com perdas relevantes para quem não souber identificar o momento de vender.
Os números são ainda mais reveladores: 45% dos gestores apontam o risco de cauda - ou seja, de baixa probabilidade - de formação de uma bolha de IA no mercado. Outros 53% afirmam que as ações do setor já estão, de fato, em uma bolha.
Fatores que alimentam o temor
Diversos elementos têm contribuído para aumentar a preocupação com uma possível bolha de IA no mercado financeiro. O aumento no número de investidores apostando nesse mercado pode levar a uma valorização excessiva dessas companhias nas bolsas.
Em linhas gerais, quanto maior a procura por certos ativos, maior tende a ser sua alta. Com isso, a alta das cotações muitas vezes ocorre sem os fundamentos necessários para sustentá-la no longo prazo. A valorização passa mais pela dinâmica de oferta e demanda do que pelo desempenho real das empresas e o valor entregue aos acionistas.
A pesquisa do BofA também mostra que, pela primeira vez em 20 anos, investidores acreditam que as empresas estão destinando recursos demais à expansão de seus negócios, movimento conhecido no mercado como "boom de capex".
Esses investimentos estão ligados diretamente à inteligência artificial - incluindo a construção de data centers, aquisição de equipamentos e compra de chips - e podem pressionar as companhias caso os resultados fiquem abaixo do esperado.
Impacto já visível nas bolsas
Esses receios já começam a se refletir nas bolsas de valores. Um levantamento da Elos Ayta aponta que as Sete Magníficas perderam mais de US$ 1,7 trilhão em valor de mercado em menos de um mês.
O valor conjunto dessas empresas caiu de US$ 22,24 trilhões em 29 de outubro para US$ 20,49 trilhões em 20 de novembro. Mesmo com essa queda recente, no longo prazo, essas companhias seguem acumulando forte valorização.
Especialistas analisam a situação
Segundo Maria Irene Jordão, estrategista global da XP, diversos ajustes são necessários para identificar se o preço de uma ação está caro ou barato. No mercado, é relativamente comum que uma ação fique cara durante períodos de forte expansão.
Para a especialista, porém, a incerteza sobre a sustentabilidade desse crescimento ajuda a explicar as quedas recentes das big techs. "Precisamos diferenciar as empresas de inteligência artificial. Podemos questionar o ritmo de crescimento da Nvidia? Sem dúvida. Mas há muitas outras companhias de IA que ainda não dão lucro e se sustentam em ideias e promessas futuras", afirma Jordão.
Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, oferece uma perspectiva histórica: "No caso da internet, foram seis anos de uma expansão quase contínua dos mercados acionários. E foi a mesma história dos anos 2000, que teve expansão da bolsa por cinco anos. Então me parece que há um fôlego maior nessas duas referências".
Recomendações para investidores
Apesar de o setor de tecnologia ainda ser considerado um dos segmentos com potencial de bons retornos no médio e longo prazo, a recomendção é de cautela para evitar os "excessos do mercado".
"É importante buscar empresas que entregam valor e que estão, de fato, bem posicionadas", afirma Jordão. A especialista explica que a IA atravessa, neste momento, uma fase de infraestrutura - a construção das bases físicas e tecnológicas que permitirão seu funcionamento.
Isso inclui, por exemplo, a criação de data centers, a ampliação de linhas de transmissão, a geração de energia e a implantação de estruturas para conexão de alta velocidade.
"Olhando para essas empresas que fornecerão a infraestrutura necessária para IA, temos talvez a possibilidade de surfar um pouco mais nesse rali", afirma a estrategista da XP. "Mas é preciso lembrar sempre que esse é um tema volátil e que sempre podem existir correções de mercado, o que é natural. Então é importante diversificar, entender que está sujeito à volatilidade e que estamos apenas no início de um ciclo muito longo".