Conflito sobre tarifa do aço divide indústria e ameaça preços de alimentos
A Associação Brasileira da Indústria de Embalagens de Aço (Abeaço) entrou com um pedido formal junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) solicitando uma revisão urgente da tarifa antidumping aplicada sobre as folhas metálicas de aço importadas da China. A medida, em vigor desde agosto de 2024, colocou a associação em rota de colisão com a CSN, única produtora nacional do material.
Impacto bilionário nos alimentos essenciais
Estudos exclusivos das consultorias Tendências e LCA Consultores, obtidos pela reportagem, revelam que a tarifa definitiva deve gerar um impacto de R$ 6,6 bilhões nos custos dos alimentos enlatados nos próximos cinco anos. Os relatórios projetam que os preços de itens básicos como sardinha, legumes em conserva e leite em pó podem subir até 6,3%.
"Estamos falando de itens que não são supérfluos. São alimentos essenciais para milhões de brasileiros", alerta Thais Fagury, presidente da Abeaço. "A tarifa é regressiva, ineficiente e incompatível com a agenda de redução de desigualdade que o próprio governo abraça."
Os cálculos indicam que as famílias de baixa renda poderão ser obrigadas a renunciar ao equivalente a mais de um mês de seu consumo habitual de enlatados. A embalagem tem peso significativo no custo final desses produtos: representa 26% do preço da sardinha e 15% do custo do leite em pó.
CSN contesta números e defende tarifa
Procurada, a CSN rejeita veementemente as alegações da Abeaço. "É absurdo. Não corresponde à realidade", afirma Luis Fernando Martinez, diretor comercial executivo da empresa. A siderúrgica argumenta que possui capacidade instalada de 800 mil toneladas anuais, mais que o dobro do consumo brasileiro atual.
"É matemática: não há problema de capacidade. Temos capacidade ociosa", reforça Martinez. A empresa também contesta os percentuais de impacto nos preços dos alimentos, afirmando que a embalagem representa "pouco mais de 10%" do custo da sardinha, sendo o aço apenas uma parte desse valor.
Segundo a CSN, dados oficiais do processo de defesa comercial indicam que o efeito da tarifa sobre o IPCA seria de apenas 0,001 ponto percentual, considerado "estatisticamente desprezível".
Questão de qualidade e suprimento
O dossiê da Abeaço apresenta ainda críticas à qualidade do produto nacional, citando relatos de furos em 44% das folhas metálicas avaliadas como fora de conformidade. A associação argumenta que as importações não caíram mesmo com o aumento de mais de 30% no custo do aço chinês, demonstrando que o produto da CSN não seria substituto viável.
"Essa é a prova cabal de que o aço da CSN não é substituto viável em termos de qualidade, tecnologia e, principalmente, prazo e condições de pagamento", afirma Thais Fagury.
O mercado de embalagens de aço movimenta cerca de 7 bilhões de unidades por ano no Brasil, consumindo aproximadamente 350 mil toneladas de aço. A Abeaço representa cerca de 70% desse mercado, com 20 empresas associadas, incluindo a JBS, maior fabricante de latas de alimentos do país.
Consequências econômicas e sociais
Além do impacto direto nos preços dos alimentos, os estudos da Abeaço projetam uma perda de R$ 463 milhões no PIB e a eliminação de 4.669 postos de trabalho na cadeia produtiva. A associação alerta que, se a tarifa for estendida a outros fornecedores como Japão, Alemanha e Países Baixos, poderá ocorrer um "colapso no abastecimento" da indústria.
A CSN, por sua vez, defende que a China enfrenta medidas de defesa comercial em praticamente todos os mercados relevantes e que a retirada da proteção no Brasil aumentaria o risco de "desindustrialização e substituição definitiva da produção nacional por dependência externa".
O processo antidumping que resultou na tarifa foi conduzido ao longo de 18 meses pela Secex/MDIC, com participação de todos os setores envolvidos. A empresa afirma que houve comprovação técnica de dumping, nexo causal e dano à indústria nacional.