
O ar, de repente, ficou mais denso. Mais quieto. Na tarde desta quinta-feira (27), o universo musical perdeu uma de suas vozes mais originais — ou melhor, uma de suas infinitas possibilidades sonoras. Hermeto Pascoal, alquimista dos sons, partiu aos 89 anos. A informação foi confirmada pela sua família através das redes sociais, num tom simples e direto, como ele mesmo preferia as coisas.
Nascido em Lagoa da Canoa, no agreste de Alagoas, em 1936, Hermeto era mais do que um músico. Era um fenômeno natural da acoustica. Um ser que não apenas reproduzia sons, mas os criava, os transformava, os extraía de qualquer objeto — de uma chaleira a um brinquedo de plástico. O homem que fazia chorar até uma panela.
O Legado de Um Gênio Atemporal
Quem o via no palco, com aquela aparência de feiticeiro ancião, rodeado por instrumentos convencionais e… bem, por qualquer coisa, entendia na hora: estava diante de um raro. Talvez único. Sua carreira, iniciada ainda na infância, foi uma longa e incessante jornada de exploração. Do forró pé-de-serra aos complexos arranjos de jazz fusion, tudo era possível. Tudo soava possível.
E não era só fama local, não. O reconhecimento veio com tudo em 1999, quando levou para casa um Grammy Award na categoria Best Latin Jazz Performance pelo álbum «Oferenda», ao lado de seu grupo. Um feito e tanto para um artista que, no fundo, nunca se prendeu a rótulos — muito menos a geografias.
Mais que Música: Uma Filosofia de Vida
Hermeto não compunha; ele respirava música. Dizem que acordava de madrugada com melodias completas na cabeça e as anotava furiosamente antes que o dia as levasse. Sua obra é vasta, complexa, cheia de camadas — assim como o homem por trás dela.
E pensar que ele começou tocando sanfona de oito baixos nas feiras livres do Nordeste… dava pra imaginar? Dali para se apresentar ao lado de gigantes como Miles Davis — que, aliás, tinha uma admiração profunda por ele — foi um pulo. Um pulo longo, difícil, mas inevitável para um talento daquele tamanho.
Nos últimos anos, mesmo com a saúde frágil, sua mente permanecia afiada. Criativa. Até pouco tempo atrás, ainda compunha. Ainda ensaiava. A música era seu oxigênio, sua linguagem primordial.
O Silêncio que Fica — e o Barulho que Não Cessa
Agora, ficou um vazio. Um daqueles que não se preenche com facilidade. Mas Hermeto deixa um legado sonoro tão vasto que é impossível não sentir sua presença ainda por aí, em cada nota dissonante, em cada levada inesperada, em cada melodia que parece desafiar a gravidade.
Ele não era só um artista brasileiro. Era um artista do mundo. Um inventor de paisagens sonoras. Vai fazer falta. Muita.