Orquestra da Grota Conquista o Theatro Municipal do Rio: Um Sonho Que Ecoa nas Ladeiras de Niterói
Orquestra da Grota brilha no Theatro Municipal do Rio

Não foi só mais um concerto. Longe disso. Na noite desta quarta-feira, algo de profundamente mágico aconteceu nos corredores sagrados do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Pela primeira vez — sim, a primeira! — os acordes da Orquestra da Grota ecoaram sob aquela cúpula imponente, e a história pareceu fazer uma pausa para aplaudir.

Quem conhece a trajetória dessa turma sabe que a vitória não vem de graça. Tudo começou há 28 anos, lá nas ladeiras do Morro da Grota, em Niterói. A ideia era simples, quase ingênua: tirar crianças e jovens da ociosidade e dar a eles não só um instrumento musical, mas um caminho. Violinos, violas, clarinetes e flautas se tornaram ferramentas de resistência. E deu certo.

Marcia Braga, a maestrina e coração por trás de tudo, não esconde a emoção. “É a realização de um sonho que parecia distante”, confessa, com a voz um pouco embargada. Ela, que também comanda a Orquestra de Flautas Doce da Grota, viu a comunidade se transformar através das partituras. E agora, o ápice: o Municipal.

O Repertório Que Conta Uma História

O programa da noite foi uma viagem sonora. Eles não tocaram apenas músicas; contaram a própria jornada. Desde o clássico “Cine Holliúdy”, do genial Raimundo Fagner, até o emocionante “Sobradinho” de Sá & Guarabyra. Teve até um arranjo especialíssimo de “Carinhoso”, de Pixinguinha — porque samba e erudito, na Grota, moram no mesmo lugar.

E não parou por aí. O repertório incluiu ainda obras de Villa-Lobos, Grieg e Tchaikovsky. Uma mescla ousada, que reflete perfeitamente a identidade do grupo: nem só favela, nem só conservatório. É algo novo, vibrante, genuinamente brasileiro.

Muito Mais Que Notas Musicais

O que pouca gente vê é o que acontece nos bastidores. Os ensaios são puxados, a disciplina é ferrenha. Muitos dos jovens músicos vêm de realidades duríssimas, e a orquestra acaba sendo uma âncora. Uma tábua de salvação. Oferece não apenas educação musical, mas reforço escolar, cursos profissionalizantes e — talvez o mais importante — um senso de pertencimento.

“Aqui a gente não é só mais um número. A gente tem voz”, diz um dos violinistas, que preferiu não se identificar. E é exatamente isso. Cada acorde no Municipal era um grito de existência. Um lembrete potente de que a cultura periférica tem lugar cativo nos palcos mais importantes do país.

A apresentação de ontem não encerra uma turnê. Ela abre uma porta. Simboliza que outros projetos, de outras quebradas, podem também ousar. Podem sonhar alto — e realizar.

E aí, quando a plateia se levantou numa salva de palmas que parecia não ter fim, ficou claro: a Grota chegou não para pedir licença, mas para ficar.