
E o silêncio chegou. Um daqueles silêncios pesados, que carregam o peso de uma vida inteira dedicada à mais pura alquimia sonora. Hermeto Pascoal, simplesmente o Bruxo, nos deixou. Aos 89 anos, partiu o homem, mas ficou a lenda – uma das mais brutais e inventivas que a música brasileira jamais concebeu.
A notícia veio de fontes próximas à família, um baque surdo no coração da cultura nacional. Natural de Lagoa da Canoa, no interior de Alagoas, Hermeto era mais que um músico; era uma força da natureza. Cego de um olho desde o nascimento, ele enxergava o mundo através de uma audição sobrenatural, transformando o cacarejar de galinhas, o chiado da panela de pressão e o sibilar do vento em composições de uma complexidade e beleza arrepiantes.
O Forjador de Sons
Carreira? Nem sei se essa palavra cabe. Foi uma missão. Uma peregrinação sonora que começou ainda criança, no sertão, e ecoou pelo mundo todo. Ele não tocava instrumentos; ele os dominava, os inventava, os reinventava. Flauta, piano, saxofone, violão… e tudo mais que produzisse um ruído. Na mão dele, um búzio virava um sopro melódico, um copo de água se transformava numa orquestra de afetos.
Quem nunca se arrepiou com o clássico ‘O Ovo’? Ou se perdeu nas veredas complexas de ‘Música da Lagoa’? Sua obra é um universo à parte. Inclassificável. Ele misturava o forró pé-de-serra com o jazz mais livre, o erudito com o experimental, criando uma linguagem única – o hermetês, como brincavam os mais íntimos.
O Legado que Nunca Cala
E o que fica? Tudo. Fica a influência gigantesca em gerações e gerações de músicos, de Milton Nascimento a Miles Davis – que, pasmem, o chamava de ‘o músico mais impressionante do mundo’. Fica a coragem de nunca se render ao comercial, de seguir a intuição mais selvagem e pura. Fica a imagem do homem de branco, de barba e cabelos longos, parecendo um verdadeiro alquimista moderno, comandando sessões de improviso que duravam dias.
Não foi uma morte triste, não. Foi uma despedida. Ele viveu intensamente, criou como poucos, e deixou um arquivo monumental de trabalho inédito – coisa de gênio, sempre à frente. O Bruxo fez a sua mágica até o fim. E agora, seu som ecoa em algum lugar do cosmos, onde certamente ele já está reorganizando as sinfonias das estrelas.
Descanse em paz, mestre. E obrigado por toda a música.