
No coração de Goiás, onde o cerrado ainda guarda segredos ancestrais, vive uma mulher que carrega nos olhos a sabedoria de gerações. Dona Maria — ou melhor, Mãe Maria, como preferem chamá-la na comunidade — é dessas figuras raras que parecem ter nascido com o dom de transformar dor em esperança.
Benzedeira desde os 12 anos, parteira de mão cheia e guardiã de tradições que muitos já consideravam perdidas, ela nem imaginava que um dia seu nome cruzaria o Atlântico para figurar entre os indicados ao Prêmio Nobel da Paz. "Achei que fosse brincadeira quando me contaram", confessa, rindo da própria surpresa.
Raízes que curam
Nascida num quilombo da região de Cavalcante, Mãe Maria aprendeu cedo o ofício das ervas e rezas com a avó, uma "mulher de axé" — como ela descreve, misturando respeito e saudade. Seus conhecimentos vão muito além do que livros médicos poderiam ensinar: consegue identificar até o tipo de dor de cabeça pelo pulsar das têmporas.
Mas o que realmente a diferencia? Talvez seja aquilo que os acadêmicos chamam de "inteligência emocional ancestral", mas que ela simplesmente define como "ouvir com as mãos". Uma habilidade que, diga-se de passagem, já ajudou a trazer ao mundo mais de 300 crianças — muitas delas hoje adultas que ainda a visitam, carregando fotos amareladas de seus primeiros momentos de vida.
Indicação ao Nobel: o reconhecimento que veio de longe
A indicação ao prêmio internacional surgiu quase por acaso, quando uma antropóloga belga — sim, uma europeia de sobrenome complicado — se encantou com seu trabalho durante pesquisa sobre medicina tradicional. "Ela disse que eu fazia política sem falar de política", conta Mãe Maria, ajustando o turbante colorido que quase nunca tira.
Não ganhou o Nobel, claro. Mas isso pouco importa quando se tem o reconhecimento da própria terra. Afinal, quantos premiados podem dizer que têm uma fila de pacientes à porta de casa antes mesmo do sol nascer?
O legado que não cabe em prêmios
Além das benzeções e partos, Mãe Maria mantém viva uma tradição oral que mistura histórias de escravizados, cantigas em dialetos quase esquecidos e — pasmem — até receitas de biscoito que atravessaram séculos. "Minha avó dizia que comida também é remédio", explica, enquanto mexe uma panela de barro com ingredientes que prefere não revelar.
Seu maior orgulho? Ter criado uma rede de jovens aprendizes que garantem que esse conhecimento não morra com ela. "Antes eu era a mais nova sabendo essas coisas. Agora tenho netas da alma que já benzem melhor que eu", diz, com um orgulho que transborda nos olhos marejados.
Num mundo obcecado por inovações descartáveis, histórias como a dela nos lembram que algumas "tecnologias" humanas — as de cuidar, acolher e transmitir — são atemporais. E, convenhamos, valem mais que qualquer medalha.