
Numa tarde quente em Presidente Prudente, onde o cheiro de café fresco se misturava com poeira de estrada, encontramos Jesus de Burarama - não o nazareno, mas um mestre da palavra rimada que carrega nas costas séculos de tradição oral.
"Meu ofício?", ele ri, afiando o lápis num canivete enferrujado. "É fazer o povo lembrar que folclore não é coisa de museu - tá no jeito da vovó contar história, no cheiro do feijão queimando no fogão de lenha..."
Raízes que alimentam
Entre um verso e outro (que saem como respiração, não como trabalho), o cordelista desfia argumentos afiados:
- A cultura popular é antídoto contra o esquecimento
- Tradições são como árvores - precisam de terra fértil para não virar carvão
- Nas feiras livres, nas cantigas de roda, pulsa o verdadeiro "algoritmo" brasileiro
Não é discurso bonito - é sobrevivência. "Já vi cidade que trocou o boi-bumbá por shopping center", lamenta, esmagando o cigarro com botina gasta. "Daí quando querem folclore, importam da Disney."
O cordel como resistência
Seus folhetos - aqueles que vende a R$ 3 na pracinha - são pequenas bombas culturais. Num deles, o Saci briga com influencer digital. Noutro, Iara vira líder sindical. "É assim que a tradição respira", explica, com um sorriso que mostra dente faltando.
E os jovens? "Ah, esses meninos..." - longa pausa - "...no começo torcem o nariz. Mas quando descobrem que folclore não é aula chata, viram fãs. É só mostrar que Lampião tinha mais estilo que esses rappers de fundo de quintal."
O sol já baixava quando nos despedimos. Jesus - o de Burarama - sumiu na poeira vermelha, sacola de cordéis balançando. Levava nas costas um Brasil que insiste em não virar pó.