
Eis que o Supremo resolveu cortar o mal pela raiz. Numa virada que vai fazer barulho lá fora e aqui dentro, os ministros fecharam o cerco: qualquer indício de violência doméstica — mesmo que ainda não provado até as últimas consequências — já basta para travar a devolução imediata de crianças ao exterior.
O caso concreto era daquelas situações que dão nó no estômago. Uma mãe brasileira, com cidadania italiana, fugiu da Itália trazendo o filho consigo. Alega que o pai da criança cometia violência doméstica contra ela. O pai, naturalmente, acionou a Convenção de Haia pedindo o retorno imediato do menor.
Mas aí é que está o pulo do gato. A relatora, ministra Cármen Lúcia, foi categórica: a prioridade absoluta é a proteção integral da criança. E pasmem — a violência contra a mãe configura, sim, violência indireta contra o filho. A criança presencia, sofre psicologicamente, vive sob o mesmo teto onde a agressão acontece. Não dá para separar as coisas como se fossem realidades estanques.
O que muda na prática?
Tudo. Até então, a regra era clara: em casos de subtração internacional de menores, a devolução era quase automática. Só exceções muito graves impediam o retorno. Agora, a violência doméstica entra com força nesse rol.
- Juízes brasileiros ganham mais poder para analisar o contexto completo
- As alegações das mães (ou pais) vítimas terão peso substantivo
- O interesse da criança prevalece sobre a mera aplicação técnica de tratados
Não se trata de desrespeitar acordos internacionais, como a própria Convenção de Haia. Na verdade, o STF lembra que a própria convenção prevê exceções — como situações de grave risco à integridade da criança. E violência doméstica, convenhamos, se enquadra perfeitamente nisso.
E o outro lado?
Claro que há controvérsia. O ministro Dias Toffoli, em seu voto, alertou para o risco de se criar uma "exceção ampla demais". Ele temia que alegações genéricas ou mal fundamentadas de violência pudessem ser usadas para burlar a convenção. Preocupação válida, sem dúvida.
Mas a maioria seguiu outro caminho. Entendeu que o sistema judicial brasileiro — com juízes, promotores, perícias — é perfeitamente capaz de distinguir alegações sérias de má-fé. E que, na dúvida, é melhor errar protegendo a criança do que expondo-a a perigo real.
No fundo, a mensagem é clara: a proteção de vidas humanas vem primeiro. Tratados são importantes, sim, mas não podem se sobrepor à segurança concreta de mulheres e crianças. O Brasil, com essa decisão, assume uma posição de vanguarda na interpretação do melhor interesse da criança em contextos transnacionais.
Para famílias binacionais, para advogados de direito internacional, para militantes dos direitos das mulheres — eis uma mudança de paradigma com cheiro de jogo virando. E, convenhamos, era sobre tempo.