
Uma cena que parece saída de um pesadelo se desenrolou nas ruas de Boa Vista. Uma garota de apenas 14 anos, que deveria estar protegida pela rede de acolhimento, foi encontrada mergulhada até o pescoço no mundo do tráfico. E o pior: usada como instrumento do crime por adultos que viram na vulnerabilidade da adolescente uma oportunidade.
A operação policial que desmantelou esse esquema deprimente aconteceu na última quarta-feira. Dois indivíduos, um de 24 e outro de 25 anos, agora trocam a liberdade pelas grades. A dupla, que parecia não ter limites morais, recrutou a adolescente logo após ela desaparecer de um abrigo estadual.
O sumiço que ninguém notou a tempo
Ela sumiu do abrigo e, pasmem, ninguém percebeu imediatamente. Quando as autoridades acordaram para o desaparecimento, a menina já estava nas garras dos traficantes. A Polícia Civil, diga-se de passagem, agiu rápido quando recebeu a denúncia. Mas a pergunta que fica é: como uma criança sob proteção do Estado consegue simplesmente evaporar do sistema?
Os investigadores descobriram que os dois homens não apenas aliciaram a adolescente como a colocaram para trabalhar diretamente na venda de drogas. Imagina só: uma criança de 14 anos, que já carregava nas costas uma história de abandono, sendo transformada em instrumento do crime.
A prisão que veio como alívio
Quando a polícia chegou, encontrou mais do que provas. Encontrou uma cena que deveria envergonhar qualquer sociedade. A adolescente estava com os acusados, e com ela, uma quantidade significativa de maconha já pronta para o comércio ilegal.
Os dois presos, agora, enfrentam acusações graves. Tráfico de drogas, obviamente. Mas também o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo – e aqui me permito um comentário: não é exagero algum usar esse termo. Alguém que usa uma criança vulnerável para o crime está, sim, escravizando sua dignidade.
A delegada Tatiane Santiago, que coordenou as investigações, foi direta ao ponto: "Eles se aproveitaram da condição de vulnerabilidade dessa adolescente". E complementou, com a frieza que apenas os números conseguem transmitir: "Ela estava sob a guarda do Estado, em uma unidade de acolhimento, e foi usada de forma cruel".
E agora, o que acontece?
Os acusados já estão atrás das grades, isso é fato. Mas a adolescente? Retornou ao abrigo de onde havia desaparecido. O que me faz pensar: será que o sistema aprendeu algo com esse episódio? Ou vamos simplesmente recolocá-la no mesmo ambiente que falhou em protegê-la da primeira vez?
O caso escancara uma realidade dura: nossas redes de proteção têm falhas gritantes. E pior: os criminosos sabem disso. Eles conhecem melhor do que nós as brechas por onde crianças e adolescentes escapam – e caem direto em seus braços.
Enquanto isso, a Justiça segue seu curso. Os dois presos aguardam em cadeia o andamento do processo. E a sociedade fica com aquela pergunta incômoda: quantas outras crianças estão nessa mesma situação, sem que ninguém tenha notado seu desaparecimento?