
Imagine um Brasil onde a corrupção virou rotina, o crime dá as cartas e o absurdo é tão comum que chega a ser cômico. É nesse terreno pantanoso que Rafael Gallo planta as raízes de Os Enforcados, seu romance de estreia que já nasce com gosto de clássico.
Não é todo dia que um escritor novo chega com tanta personalidade. Gallo parece ter aprendido com os mestres do gênero — aquela mistura perfeita de Rubem Fonseca com um toque de Tarantino — mas trouxe algo que é só dele: um humor tão ácido que chega a arder.
O Crime Como Espelho da Sociedade
O livro acompanha a investigação de um assassinato bizarro: um cadáver pendurado num viaduto de São Paulo. Só que aqui, os detetives são tão incompetentes quanto os criminosos são caricatos. Tem de tudo: desde mafiosos que discutem filosofia até delegados mais preocupados com o almoço do que com o caso.
"É como se o Elio Gaspari resolvesse escrever um romance policial depois de assistir a todos os filmes do Guy Ritchie", brinca um crítico literário. E faz sentido. Gallo tem essa capacidade rara de transformar o caos em arte.
Por Trás das Piadas, Uma Crítica Afiada
Não se engane pelo tom leve. Por trás das gargalhadas, o autor crava facadas certeiras:
- A burocracia que emperra até o crime organizado
- As instituições falidas que não funcionam nem para o bem, nem para o mal
- Essa nossa mania brasileira de achar normal o que é absurdo
Num trecho especialmente memorável, um mafioso reclama que "até para ser bandido no Brasil tem que conhecer alguém". Dá pra rir ou chorar? Gallo prefere que a gente faça os dois.
Literatura Como Arma
O que mais impressiona é como o autor transforma o gênero policial em algo tipicamente brasileiro. Não é à toa que o livro já está sendo comparado a O Dossiê Rêgo ou O Cheiro do Ralo. Temos aqui uma nova voz que sabe usar a sátira não como escapismo, mas como lupa.
Será que Os Enforcados vai mudar algo? Difícil dizer. Mas uma coisa é certa: depois dessa leitura, você nunca mais vai olhar para os noticiários de crime da mesma forma. E talvez esse seja justamente o ponto.