Pressão russa leva chefe de fábrica a atear fogo a si mesmo na Praça Vermelha
Chefe de fábrica russo se queima vivo após pressão do Kremlin

A Rússia está aplicando uma pressão extrema sobre sua indústria de defesa para suprir a guerra na Ucrânia, com ameaças de prisão e mudanças legais que criminalizam o não cumprimento de contratos. Um caso dramático que ilustra essa tensão é o de Vladimir Arsenyev, chefe de uma fábrica de equipamentos para tanques, que ateou fogo ao próprio corpo em frente ao Kremlin após sua empresa ser levada à falência.

Leis mais duras e ameaças à Stalin

Uma investigação da agência Reuters, divulgada em 23 de dezembro de 2025, revela que o governo russo tem usado ameaças de encarceramento para forçar fabricantes a cumprir prazos de entrega de material bélico. O cenário de intimidação foi explicitado em um discurso de Dmitry Medvedev, presidente da Comissão Militar-Industrial, em março de 2023.

Na ocasião, Medvedev leu para líderes da indústria um telegrama do ditador soviético Josef Stalin, da época da Segunda Guerra Mundial, advertindo que fabricantes que falhassem seriam "esmagados como criminosos". Desde o início da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, pelo menos 34 pessoas foram indiciadas por crime de "obstrução de ordens do Estado", incluindo 11 chefes de empresas e dois executivos seniores.

Inicialmente, as ameaças se baseavam em uma lei de 2017. Porém, em 2022, a legislação foi alterada para tornar crime também a recusa em assinar um contrato de defesa ou a incapacidade de cumprir prazos estabelecidos.

O protesto desesperado na Praça Vermelha

Vladimir Arsenyev, de 75 anos, era o diretor do Instituto Central de Pesquisa Científica Volna, fornecedor de dispositivos de comunicação para tanques. Pressionado por prazos impossíveis e preços fixados pelo Ministério da Defesa, sua empresa caminhava para a falência.

Em 26 de julho de 2024, em um ato de desespero, Arsenyev foi até a Praça Vermelha, em Moscou, próximo ao mausoléu de Lenin. Lá, despejou gasolina sobre o corpo e ateou fogo. Gravemente queimado, ele sobreviveu e deu entrevista à Reuters de um hospital.

"Como uma empresa que recebe pedidos crescentes, e atende a esses pedidos, está morrendo?", questionou o cientista. Ele atribuiu os problemas financeiros e judiciais da Volna a denúncias infundadas enviadas às autoridades.

Contrato impossível e queda em cascata

Os problemas da Volna começaram com o súbito aumento da demanda após a invasão da Ucrânia. Antes do conflito, a empresa produzia no máximo 5 mil módulos eletrônicos por ano. Em setembro de 2022, assinou um contrato para entregar mais de 50 mil módulos em 2023, um aumento de dez vezes na produção.

Apesar de receber adiantamentos de 80% do valor, a empresa não conseguiu cumprir os prazos apertados. Em setembro de 2023, o Ministério da Defesa informou que cortaria pela metade o valor a ser pago pelos componentes. A situação levou ao congelamento de contas bancárias por atraso de impostos, falta de dinheiro para salários e uma série de processos judiciais.

"De repente, nos vimos perto da falência", descreveu Arsenyev. A montadora Luch Factory, cliente da Volna, afirmou em seu relatório de 2023 que os atrasos prejudicaram o Exército russo, forçando-a a projetar e produzir sua própria versão dos componentes.

Em janeiro de 2025, informações de um comerciante de equipamentos militares indicavam que ainda havia déficit desses dispositivos de comunicação na frente de batalha na Ucrânia, mostrando o impacto duradouro dessa crise na indústria de defesa russa.