
A cena que se desenrolou nas ruas de Belo Horizonte na última segunda-feira é daquelas que deixam a gente pensando no que estamos nos tornando como sociedade. Um gari, trabalhando normalmente no seu turno matinal, virou vítima de uma negligência que beira o inacreditável.
Era por volta das 7h da manhã — horário em que a cidade ainda acorda — quando um carro simplesmente atingiu o trabalhador durante seu serviço de limpeza urbana. O que aconteceu depois? Bem, aí é que a coisa fica realmente feia.
Fuga que choca mais que o acidente
O motorista — se é que podemos chamar assim alguém com tão pouca humanidade — não parou. Não desceu do carro. Não ligou para o Samu. Simplesmente pisou no acelerador e sumiu na poeira da madrugada, deixando para trás um homem ferido e a certeza de que algumas pessoas tratam vidas humanas como obstáculos descartáveis.
Imagens de câmeras de segurança — que circulam pelas redes — mostram a brutalidade do momento. Dá até um aperto no peito de ver. O gari, que nem precisamos dizer que estava uniformizado e visível, foi projetado pelo impacto. Uma cena que deveria ser ficção, mas é a pura realidade de quem trabalha nas nossas ruas.
O que dizem as testemunhas?
"A gente viu tudo da janela do prédio", conta uma moradora que preferiu não se identificar — e quem pode culpá-la, com tanto absurdo por aí? "O barro foi ensurdecedor, mas o que mais doeu foi ver o carro indo embora como se nada tivesse acontecido."
Outra testemunha, um motoboy que passava pelo local, foi mais direto: "Cara, foi covardia pura. O trabalhador tava lá, fazendo o serviço dele, e levou essa? E o sujeito ainda foge? Não tem explicação."
E realmente não tem.
O trabalhador e sua condição
O gari — cujo nome a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) mantém em sigilo — foi levado para um hospital público da região. Felizmente, os ferimentos não eram graves, mas isso não diminui em nada a gravidade do acontecido. Um alívio, sim, mas um alívio amargo.
Pensem bem: esses profissionais estão nas ruas antes do sol nascer, varrendo nossa sujeira, lidando com o que a gente descarta. E em troca recebem quê? Salários que sabemos serem modestos e, agora, o risco de virar alvo de motoristas apressados — ou pior, indiferentes.
E a SLU, o que diz?
A Superintendência emitiu uma nota que, francamente, soa até contida diante do ocorrido. Informaram que o funcionário passa bem — graças a Deus — e que está recebendo todo o apoio necessário. Mas entre linhas dá pra sentir a frustração de quem vê seus trabalhadores sendo tratados como invisíveis.
Ah, e óbvio: a empresa responsável pela frota — porque o veículo era identificado — já foi notificada. Resta saber se vão assumir sua parcela de responsabilidade ou se vão tentar se esconder atrás de juridiquês.
O que a lei diz sobre isso?
Bom, pra quem não sabe — e aparentemente o motorista fugitivo também não sabia — abandonar alguém em situação de perigo após causar um acidente é crime. E dos graves. O Código de Trânsito Brasileiro é bem claro sobre isso, mas parece que algumas pessoas acham que as leis são sugestões.
O artigo 303 é específico: deixar de prestar socorro pode render de 6 meses a 1 ano de detenção, além da suspensão do direito de dirigir. Mas, convenhamos, o problema aqui vai além da multa ou da cadeia — é uma questão de caráter mesmo.
E agora, José?
A Polícia Militar — que foi acionada na hora — já iniciou as investigações. Estão analisando as imagens, buscando testemunhas, tentando identificar o condutor. Mas numa cidade do tamanho de BH, encontrar um carro — que pode já estar escondido em alguma garagem — não é exatamente como procurar agulha no palheiro, mas quase.
Enquanto isso, os garis continuam seu trabalho. Com mais medo? Provavelmente. Com mais cuidado? Certamente. Mas continuam, porque a cidade não para e o lixo não some sozinho.
Fica a pergunta que não quer calar: quando é que vamos começar a valorizar — de verdade — as pessoas que mantêm nossa cidade limpa e funcionando? Porque um acidente até pode ser — com muita boa vontade — considerado "fatalidade". Mas fugir? Isso é escolha.