Engenheiros de IA são disputados no Brasil com salários altos e benefícios
Mercado de IA no Brasil busca profissionais qualificados

O mercado brasileiro de inteligência artificial vive um momento de aquecimento sem precedentes, com empresas disputando talentos de forma acirrada. Profissionais especializados em IA generativa, como Luís Henrique Martins, recebem dezenas de mensagens de recrutadores mensalmente, mesmo sem estarem ativamente procurando emprego.

O boom da IA generativa e a guerra por talentos

Desde o lançamento do ChatGPT no final de 2022, a inteligência artificial generativa se popularizou rapidamente, atingindo 800 milhões de usuários em menos de três anos. No Brasil, companhias de diferentes setores buscam incorporar IA em seus processos e produtos, mas enfrentam dificuldades para encontrar mão de obra qualificada.

Diante desse cenário, as empresas têm oferecido pacotes atraentes para os profissionais mais experientes: salários significativamente acima da média do mercado, flexibilização do trabalho presencial, benefícios turbinados e, em alguns casos, até participação societária, como aconteceu com Martins na startup brasileira onde trabalha.

O perfil multifuncional do engenheiro de IA

A função de engenheiro de inteligência artificial ainda não tem uma definição estabelecida, por ser muito nova e ter um campo de atuação amplo. "É quase um time de profissionais em uma pessoa só", define Martins. Esses profissionais geralmente possuem base forte em ciência de dados, incluindo estatística e modelagem, bom conhecimento de programação e entendimento de infraestrutura de software e serviços de computação em nuvem.

Os engenheiros de IA atuam como elo entre a tecnologia e o negócio, integrando ferramentas de modelos de IA disponíveis no mercado aos produtos e serviços das empresas. Entre suas atribuições estão:

  • Criação de chatbots personalizados para atendimento ao cliente
  • Automação de relatórios a partir de planilhas de vendas
  • Processamento de dados de redes sociais para análise da concorrência
  • Pesquisa e inovação na criação e treinamento de modelos de IA

Remuneração em alta e competição internacional

Jonathan Yung, sócio-fundador da Vertico, confirma a dificuldade em encontrar esses profissionais. "Está muito difícil achar engenheiro de IA. Primeiro, você aborda. Poucos respondem. Os que respondem já estão em mais uma ou outras duas vagas", relata o recrutador, que há 20 anos trabalha com profissionais de tecnologia.

Um dos efeitos dessa dinâmica se reflete na remuneração. Engenheiros de IA com experiência recebem, em média, mais que desenvolvedores de software - que já são conhecidos no setor pelos altos salários. Yung diz que alguns chegam a ser contratados com salários compatíveis com posições de diretor-executivo (CEO).

A competição não acontece apenas entre empresas brasileiras. Companhias americanas também buscam profissionais no Brasil, atraídas pelo custo menor e fuso horário favorável. Vanessa Cobas, recrutadora da Ratto Software, confirma essa tendência: "Já é difícil encontrar esses profissionais com experiência. Quando a gente consegue achar, essas pessoas estão trabalhando para fora".

Oportunidades para juniores e desenvolvimento interno

O déficit de mão de obra também abre oportunidades para quem tem menos experiência na área. Mariangela Cifelli, recrutadora que atuou no setor de tecnologia no Brasil e hoje está nos Estados Unidos, explica que empresas consideram contratar profissionais com menor qualificação e dar espaço para desenvolvimento.

Vanessa Cobas concorda: "A gente precisa fazer escolhas. Ou vai pagar um salário bem alto para uma pessoa mais robusta ou vai dar oportunidade para quem tem interesse e a prática pessoal e desenvolver essa pessoa".

Grandes empresas brasileiras de tecnologia têm reforçado políticas de desenvolvimento interno de talentos. No iFood, que tem 3 mil dos 8 mil funcionários na área de tecnologia, muitos engenheiros de software têm migrado para IA com incentivo da empresa, que oferece treinamento, cursos e orçamento específico para desenvolvimento individual. Atualmente, 80% dessa verba está direcionada para capacitações em IA.

A Cloudwalk, que atua no setor de pagamentos, cultiva o hábito de desenvolver talentos internamente. Gabriel Bernal, que supervisiona um time de 140 pessoas, menciona como exemplo um chatbot de suporte desenvolvido por ele e "dois meninos que nunca tinham mexido com programação" usando ChatGPT 3.5, com ajuda de vídeos e muita experimentação.

A empresa também elevou o salário de entrada para R$ 7 mil no início deste ano, chegando a R$ 10 mil com benefícios, com contratação em regime CLT - uma resposta à discussão sobre possível rejeição dos jovens a esse tipo de contratação.

Casos reais: a rotina dos profissionais disputados

Robson Júnior, de 28 anos, é um exemplo de profissional que acumula dois empregos na área. Depois de ser abordado pelo LinkedIn, participou do processo seletivo e recebeu uma oferta de contrato PJ, resolveu manter os dois trabalhos. Hoje, ele faz uma jornada das 7h às 20h, prestando serviço de forma remota para uma multinacional brasileira e para uma empresa de comunicação.

"É difícil, mas no fim é bom, porque eu consigo conciliar os dois", conta Júnior. "Essa é a realidade hoje no Brasil para os desenvolvedores, de carga de trabalho de mais de 12 horas, por conta das diferentes oportunidades que surgem o tempo inteiro".

Já a trajetória de Luís Henrique Martins reforça a visão comum no setor de que não existe uma formação única para trabalhar com IA. Apaixonado por programação desde a adolescência, Martins formou-se em História e acabou migrando para ciência de dados, aplicando visão computacional e processamento de linguagem natural ao trabalho nas humanidades.

Das propostas que recebe, uma em cada quatro é para "receber em dólar remotamente, e em ótimas empresas". Mas ele faz uma ressalva: apesar do assédio constante, os processos seletivos são "longos, com cinco ou mais fases, o que requer muito estudo e dedicação".

O trabalho remoto foi um dos principais atrativos para Martins - "Me permite uma qualidade de vida que não poderia nem considerar em qualquer outro regime" - mas a oferta de uma fatia da empresa como sócio também pesou em sua decisão.