Um estudo revolucionário desenvolvido por um pesquisador paraibano revela que pinturas rupestres encontradas no interior da Paraíba podem representar o registro mais antigo de uma explosão estelar no hemisfério sul. A descoberta aponta para a supernova do ano 1054, um evento astronômico de grandes proporções que até então só tinha registros confirmados no hemisfério norte.
A descoberta nas rochas paraibanas
Felipe Sérvulo, professor de física e mestre em cosmologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), dedicou anos de pesquisa para chegar a essa conclusão extraordinária. Seu estudo, publicado na Revista Eletrônica "Tarairú" da UEPB, analisou pinturas rupestres em duas cidades paraibanas: Congo e Taperoá.
No distrito de Carmo, na cidade do Congo, existe uma região rochosa conhecida como "Toca dos Astros", onde diversas pinturas e gravuras relacionadas à astronomia foram encontradas. Em uma das paredes, é possível observar dois posicionamentos distintos da Lua crescente e, ao lado, uma figura "raiada" que o pesquisador atribui à explosão da estrela.
Já no sítio arqueológico Lagoa do Escuro, em Taperoá, foi identificada outra pintura semelhante, mostrando novamente uma Lua crescente com uma figura circular e oito raias acima, associada à explosão estelar.
A supernova que iluminou o céu por quase dois anos
A supernova de 1054 é uma das oito explosões estelares amplamente observadas na Via Láctea durante a história da humanidade. Estima-se que o evento tenha liberado uma energia tão intensa que fez a explosão brilhar seis vezes mais do que o planeta Vênus.
De acordo com a pesquisa, o fenômeno ficou visível por 623 noites e até durante o dia, em aproximadamente 23 dias. Os registros históricos de povos do hemisfério norte relatam que o brilho era tão forte que se assemelhava ao de outros astros, como a Lua.
Essa explosão cósmica deu origem à Nebulosa do Caranguejo, que pode ser identificada até os dias atuais e é considerada fundamental para muitas descobertas científicas sobre supernovas e nebulosas.
Metodologia e comparações internacionais
Para validar sua hipótese, Felipe Sérvulo utilizou um software especializado para reconstituir o céu noturno de 5 de julho de 1054, mais precisamente às 4h, quando o brilho da explosão chegou à Terra. A projeção indica que a estrela explodiu na constelação de Touro.
O pesquisador baseou-se também em comparações com registros similares encontrados no hemisfério norte, especialmente em Chaco Canyon, no Novo México (EUA), onde existe uma figura raiada semelhante acompanhada de uma lua crescente.
"Estas representações podem indicar as posições da Lua durante os dias que sucederam a explosão da supernova, uma vez que ela ocorreu próxima à eclíptica", explicou Sérvulo em entrevista ao g1.
Os autores das pinturas rupestres paraibanas provavelmente foram os povos Tarairius ou Kariris, que habitavam a região onde estão situados os municípios estudados.
O significado científico da descoberta
A supernova de 1054 foi originada a 6.500 anos-luz da Terra e a estrela que explodiu tinha cerca de 11 vezes o tamanho do nosso Sol. Através de observações modernas com telescópios avançados, foi possível identificar que se tratava de uma estrela de nêutrons, ou "pulsar".
"A importância desse evento reside no fato de que ele dispersa no cosmos todos os elementos químicos pesados forjados no interior da estrela, que são essenciais para a formação de novos sistemas estelares, planetas e a vida", destacou o pesquisador.
Esta descoberta posiciona o Brasil, especificamente a Paraíba, como detentor das melhores e únicas evidências arqueológicas da supernova de 1054 em todo o hemisfério sul, superando até mesmo registros de povos aborígenes da Austrália que faziam menção a um "evento mitológico".
O campo de estudo que une arqueologia e astronomia, conhecido como arqueoastronomia, ganha assim uma contribuição significativa para compreender como as culturas antigas interpretavam e registravam fenômenos celestes em sua arte e no cotidiano.