55 entidades médicas paralelas ameaçam certificação de especialistas
Médicos criam 55 entidades paralelas para títulos

Um movimento que começou em janeiro de 2025 está causando preocupação no meio médico brasileiro. A criação de 55 entidades paralelas à Associação Médica Brasileira (AMB) ameaça o sistema de certificação de especialistas que funciona há 70 anos no país.

Projeto com nome similar à AMB

A iniciativa, que se autodenomina Ordem Médica Brasileira (OMB), usa uma nomenclatura muito próxima à tradicional Associação Médica Brasileira. O projeto se apresenta como defensora da "isonomia e justiça entre médicos" e promete criar suas próprias regras para certificar profissionais a partir de 2026.

Nas redes sociais, onde soma quase 3 mil seguidores, um médico que se apresenta como endocrinologista - mas sem registro formal - é o rosto mais visível do projeto. O site da iniciativa ainda está "em construção", mas as atividades já começaram.

Sociedades paralelas com nomes similares

O movimento já criou pelo menos 55 sociedades médicas paralelas, muitas com nomes e siglas semelhantes às instituições tradicionais. Um exemplo é a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia do Exercício do Esporte (SBEMEE), muito parecida com a já consolidada Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), que completou 75 anos em setembro.

Além da endocrinologia, há entidades voltadas para ginecologia, menopausa, mastologia, pediatria, diabetes, cardiologia e outras especialidades - todas ligadas à OMB e criadas por ela.

Diretrizes questionáveis e riscos aos pacientes

Algumas dessas sociedades paralelas já começaram a publicar diretrizes para orientar a prática médica, muitas delas consideradas questionáveis por especialistas. Um exemplo alarmante é a recomendação de implantes hormonais à base de testosterona em mulheres, técnica sem respaldo científico consolidado e considerada arriscada.

Especialistas alertam que esse tipo de procedimento pode causar problemas cardiovasculares, hepáticos e até câncer de mama. Além disso, movimenta um mercado lucrativo, levantando suspeitas sobre interesses comerciais por trás das recomendações.

Resposta da AMB e alerta sobre riscos

A Associação Médica Brasileira emitiu nota alertando para o que chama de "grave ameaça" ao sistema de certificação de especialistas. O ginecologista César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, explica que apenas médicos que concluíram residência reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) ou que obtiveram o título de especialista emitido pela AMB têm direito ao Registro de Qualificação de Especialista (RQE).

"São processos rigorosos, baseados em critérios técnicos, científicos e éticos, que visam, sobretudo, proteger o paciente", afirma Fernandes. Segundo ele, esse tipo de "atalho" para obter especialidade coloca diretamente em risco a segurança dos pacientes.

A AMB também chama atenção para a estratégia da OMB de se aproximar do nome e das siglas de sociedades já consolidadas, criando risco de confusão institucional. Isso pode levar pacientes a acreditar que estão sendo atendidos por especialistas devidamente qualificados quando não estão.

A entidade orienta médicos a rejeitarem qualquer vínculo "com práticas irregulares que deturpam o conceito de especialidade e ferem a ética profissional". A AMB defende que "é imperativo que as autoridades competentes adotem medidas firmes para coibir tentativas de burlar o sistema legítimo de certificação".

A reportagem tentou contato com o Conselho Federal de Medicina (CFM) para saber se há conhecimento da situação e se alguma medida está sendo tomada, mas ainda não obteve resposta.