Nos últimos anos, a busca por uma noite de sono reparador levou a melatonina ao topo da lista de suplementos mais consumidos no Brasil. Apresentada em formatos atrativos como gomas, gotas e comprimidos, a substância promete ser a solução para noites mal dormidas. No entanto, a popularidade esconde um uso muitas vezes equivocado e potencialmente arriscado, como alerta a neurologista e pesquisadora Dalva Poyares, do Instituto do Sono.
O que é a melatonina e como age no organismo?
A melatonina é um neurohormônio produzido naturalmente pela glândula pineal, localizada no cérebro. Sua secreção é diretamente influenciada pela luz. Com a chegada da escuridão, os níveis sobem, preparando o corpo para dormir: a temperatura corporal diminui e o metabolismo se acalma. Durante o dia, a claridade inibe sua produção, mantendo-nos alertas.
Esse ciclo natural é comandado pelo núcleo supraquiasmático, uma espécie de marcapasso do nosso relógio biológico. Um detalhe crucial, destacado por especialistas, é que a melatonina também sinaliza ao corpo que é hora de jejum. Por isso, ingeri-la e comer logo em seguida vai contra sua função fisiológica, podendo interferir na secreção de insulina.
Indicações reais versus uso indiscriminado
Apesar de ser vista como uma panaceia para qualquer problema de sono, as indicações médicas formais para a melatonina sintética são bastante específicas. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou apenas a dose de 0,21 mg, considerada fisiológica, ou seja, próxima à produzida pelo corpo.
As dosagens altas, como 3 mg, 5 mg ou 10 mg, comuns em outros países, são suprafisiológicas e não seguem a lógica natural do hormônio. Seu uso deve ser sempre orientado por um médico. Entre as situações em que a melatonina tem utilidade comprovada estão:
- Jet lag: auxilia na adaptação a novos fusos horários após viagens longas.
- Distúrbios do ritmo circadiano: quando o relógio biológico está adiantado ou atrasado, causando insônia ou sonolência em horários inadequados.
- Casos de autismo: estudos indicam melhora na consolidação do sono e no comportamento noturno.
- Cegueira sem percepção de luz: ajuda a sincronizar o ciclo vigília-sono na ausência do estímulo luminoso natural.
É importante diferenciar a melatonina de medicamentos como a ramelteona, um agonista melatoninérgico que imita a ação do hormônio no cérebro. Por ser um fármaco, tem sua eficácia e segurança mais bem estabelecidas.
Riscos e a importância da orientação profissional
Como qualquer substância ativa, a melatonina não é isenta de efeitos adversos. Em doses elevadas ou usadas de forma inadequada, pode causar sonolência residual pela manhã, dor de cabeça, tontura, náusea e sonhos vívidos ou pesadelos.
Outro ponto de alerta é a procedência do produto. Toda melatonina vendida é sintética, mas a falta de fiscalização rigorosa sobre suplementos no Brasil exige cuidado extra na escolha da marca, para garantir o controle de qualidade.
A mensagem principal dos especialistas é clara: a melatonina não é um tratamento universal para insônia. Ela é um hormônio que atua de forma precisa no relógio biológico e só traz benefícios quando usada na dose certa, no momento certo e pelas razões corretas.
Quem busca melhorar a qualidade do sono deve priorizar hábitos de vida saudáveis e uma boa higiene do sono. A melatonina pode ser uma aliada em casos específicos, mas nunca uma solução mágica e sem supervisão. A consulta a um profissional de saúde é o primeiro e mais importante passo.