O medo de perder o controle sobre nossas próprias criações tecnológicas ganhou nova dimensão na era da inteligência artificial. Em artigo exclusivo, o professor Ricardo Cappra, autor do livro "Híbridos: o futuro do trabalho entre humanos e máquinas", discute como a síndrome de Frankenstein se manifesta atualmente.
O que é a síndrome de Frankenstein hoje?
Originalmente, a síndrome de Frankenstein descrevia o temor de perder o domínio sobre aquilo que foi criado pelo ser humano. No entanto, Cappra argumenta que essa ansiedade existencial se transformou profundamente com o crescimento exponencial da inteligência artificial.
"A síndrome de Frankenstein, hoje, é menos sobre a máquina que ganha vida e mais sobre o humano que questiona sua essência e relevância", explica o especialista. O problema não está apenas na possibilidade de as máquinas nos substituírem, mas na forma como nossa própria cognição está sendo modificada pelos sistemas artificiais.
O impacto no ambiente de trabalho
No contexto profissional, essa transformação se torna mais evidente. A presença constante da inteligência artificial está reorganizando prioridades e alterando os critérios de excelência. Se antes a experiência acumulada era valorizada, agora os profissionais são pressionados a agir com a eficiência dos sistemas que os cercam.
"Começamos a ajustar nosso ritmo, escrita e tomada de decisão à lógica algorítmica", observa Cappra. O mais preocupante é que, aos poucos, passamos a imitar a máquina que tememos nos substituir, criando um ciclo paradoxal onde o humano se adapta para se parecer com o artificial.
A interdependência entre humanos e máquinas
Em seu novo livro "Híbridos", Cappra demonstra que o ser humano contemporâneo já vive em relação de interdependência com sistemas artificiais. Nossa cognição se distribui entre dispositivos, algoritmos e interfaces, criando uma extensão da mente que serve como terreno fértil para a síndrome de Frankenstein.
O desconforto não nasce da criatura que se rebela contra seu criador, mas da sensação de estarmos perdendo a capacidade de distinguir o que as máquinas fazem daquilo que reconhecemos como genuinamente humano.
Os riscos da terceirização do pensamento
Quando as decisões chegam pré-processadas e o pensamento é terceirizado para ferramentas tecnológicas, cultivamos um sujeito que reage muito e interpreta pouco. A ansiedade que cresce nas organizações não vem apenas da sobrecarga de trabalho, mas da percepção íntima de que estamos perdendo a condução da própria ação.
"É como se nossa identidade fosse ocupada por sistemas que, em certas tarefas, funcionam melhor do que nós", analisa o autor. A síndrome de Frankenstein se manifesta como o desconforto de perceber que a criatura IA não nos destrói, mas nos redefine de maneira fundamental.
O caminho para a convivência saudável
A solução, segundo Cappra, não está em resistir aos avanços tecnológicos, mas em recuperar a consciência do processo. Ser híbrido não significa dissolver-se na máquina, e sim reapropriar-se da própria cognição em meio aos artefatos que criamos.
Isso exige atenção intencional, pensamento analítico, ética e presença ativa. O verdadeiro perigo não é a inteligência artificial se tornar humana, mas o humano deixar de agir como tal. Controlar essa nova criatura significa, antes de tudo, controlar a forma como ela modifica nosso comportamento.
O livro "Híbridos: o futuro do trabalho entre humanos e máquinas" foi lançado em 24 de novembro de 2025 pela editora Actual/Alta Books e tem 208 páginas. Ricardo Cappra é filósofo, cientista de dados e empreendedor, trazendo uma perspectiva única sobre um dos grandes temores existenciais da nossa era.