Memórias e cicatrizes: Coreia do Sul relembra Dia da Libertação com reflexões profundas
Coreia do Sul: memórias e cicatrizes no Dia da Libertação

Numa mistura de alívio e dor, a Coreia do Sul celebrou nesta terça-feira o Dia da Libertação — data que marca o fim de 35 anos de domínio colonial japonês em 1945. Mas, como bem lembra o historiador Kim Jae-hong, a libertação trouxe consigo uma ironia amarga: a divisão da península em Norte e Sul, que perdura até hoje.

"É como ganhar a loteria e descobrir que o prêmio vem com uma hipoteca impagável", compara o especialista, cujas palavras ecoam o sentimento ambivalente de muitos coreanos. A data, conhecida como Gwangbokjeol (literalmente "o dia em que a luz retornou"), é celebrada com desfiles patrióticos e discursos oficiais, mas também com momentos de reflexão silenciosa.

As cicatrizes que não fecham

O que muitos não percebem é que a Coreia do Sul — aquele "tigre asiático" que virou sinônimo de tecnologia e cultura pop — ainda carrega no peito as marcas de seu passado turbulento. Kim destaca três feridas que continuam a sangrar:

  • O trauma da divisão: Famílias separadas pelo Paralelo 38 como se fossem peças de xadrez num tabuleiro geopolítico
  • A ditadura militar: Aqueles anos de botas pesadas e vozes caladas que vieram depois da alegria inicial
  • A dependência cultural: A dificuldade em se livrar completamente da influência japonesa, mesmo após décadas

Não é à toa que os coreanos têm aquela expressão peculiar: "Quando o vento da história sopra, alguns constroem muros, outros moinhos". E a Coreia? Bem, fez um pouco dos dois.

O peso da memória

Nas ruas de Seul, é possível sentir essa dualidade. De um lado, arranha-céus de vidro que parecem desafiar as leis da física. Do outro, pequenos museus de bairro que guardam fotografias desbotadas de tempos mais sombrios. "A Coreia moderna é como um paciente que se recupera de um acidente grave", reflete Kim. "Você até pode andar de novo, mas a claudicação às vezes aparece."

Curiosamente, o historiador nota uma mudança geracional no modo como o passado é encarado. Enquanto os mais velhos ainda travam batalhas judiciais por reparações, os jovens — aqueles que fazem o K-pop dominar as paradas mundiais — parecem mais interessados em construir pontes do que em cavar trincheiras. Seria isso progresso ou amnésia seletiva? Difícil dizer.

Uma coisa é certa: o Gwangbokjeol nunca será apenas uma data no calendário. É, acima de tudo, um espelho que reflete as contradições de uma nação que aprendeu a voar alto, mas nunca esqueceu o peso das correntes que um dia a prenderam ao chão.