Do Pote de Requeijão à Taça: A Curiosa Era em que os Brasileiros Brindavam com Vinho em Recipientes Inusitados
Vinho no pote de requeijão: a curiosa tradição brasileira

Imagine uma mesa de jantar brasileira nos anos 70 ou 80. Entre as garrafas de vinho, não havia taças elegantes, mas sim os humildes e versáteis potes de requeijão servindo como copos para a bebida. Esta cena, que hoje pode parecer excêntrica, era absolutamente comum em muitas casas do país.

O Contexto Histórico de um Hábito Singular

Nos anos 1970, o Brasil vivia um momento peculiar em relação ao consumo de vinho. A bebida, antes restrita a ocasiões especiais ou a grupos sociais específicos, começava a se popularizar. Porém, faltava não apenas cultura vinícola, mas também os acessórios adequados para seu consumo.

As taças de vinho eram artigos relativamente caros e difíceis de encontrar fora dos grandes centros urbanos. Foi nesse cenário que os potes de requeijão de vidro, com sua forma côncava e tamanho adequado, surgiram como uma solução prática e econômica para milhões de brasileiros.

Mais que Improvisação: Uma Solução Genuína

O que poderia ser visto como mera improvisação revelava, na verdade, uma lógica bastante sensata para a época:

  • Sustentabilidade antes da moda: O reaproveitamento dos potes era uma prática comum em tempos onde o desperdício era malvisto
  • Acessibilidade: Permitiam que famílias de diferentes classes sociais pudessem consumir vinho sem investir em utensílios especializados
  • Versatilidade: Os mesmos potes serviam para suco, água e outras bebidas, otimizando o espaço nas cozinhas brasileiras

A Evolução do Paladar Brasileiro

Esta prática curiosa coincide com um período fundamental na educação do paladar do brasileiro em relação ao vinho. Era a época dos vinhos de mesa, muitas vezes adocicados, que chegavam em garrafas tipo ânfora ou em embalagens cartonadas.

O consumo em potes de requeijão não era visto como inadequado porque, na verdade, a própria relação com a bebida ainda era despretensiosa. O vinho era uma bebida social, para ser compartilhada entre amigos e familiares, independentemente do recipiente.

O Fim de uma Era

A gradual extinção desse hábito começou a ocorrer por vários fatores simultâneos:

  1. Globalização: O acesso a informações sobre como o vinho era consumido em outros países
  2. Especialização: A chegada ao mercado de taças específicas para diferentes tipos de vinho
  3. Mudança nos hábitos: O próprio requeijão migrando para embalagens plásticas, eliminando a matéria-prima dos "copos"
  4. Sofisticação do mercado: A entrada de vinhos de melhor qualidade que "pediam" recipientes adequados

Um Minuto de Silêncio pela Simplicidade Perdida

Hoje, quando temos taças para cada tipo de vinho, termômetros especiais, decantadores e todo um ritual em torno da bebida, é quase nostálgico lembrar dessa época onde o que importava era o conteúdo, não a embalagem.

O copo de requeijão representa mais que um simples recipiente: é um símbolo de uma relação descomplicada com o vinho, onde o prazer da bebida estava no compartilhar, não na etiqueta. Uma lembrança saborosa de que, às vezes, a simplicidade pode ser extraordinariamente charmosa.

Essa curiosa tradição nos faz refletir sobre como os hábitos alimentares evoluem e como objetos cotidianos podem ganhar significados completamente inesperados - tornando-se, no caso, parte fundamental da história social do vinho no Brasil.