A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou uma nova e importante utilização para o medicamento Wegovy, fabricado pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk. A partir de agora, as canetas de 2,4 mg de semaglutida, o mesmo princípio ativo do conhecido Ozempic, poderão ser prescritas para o tratamento da gordura no fígado acompanhada de inflamação e danos ao órgão.
Essa decisão transforma o Wegovy em uma das poucas opções farmacológicas disponíveis para combater uma doença silenciosa e crescente, que afeta mais de 30% da população brasileira. A condição, conhecida como esteatose hepática metabólica, deixou de ser vista como um simples acúmulo de gordura benigno e hoje é reconhecida como uma ameaça grave à saúde hepática.
Um problema de saúde pública silencioso
O acúmulo de gordura no fígado, especialmente quando associado a inflamação e disfunção metabólica, não é um processo inofensivo. Ele age de forma silenciosa ao longo dos anos, danificando progressivamente o órgão e comprometendo suas funções vitais, que vão desde o processamento de medicamentos e a neutralização de toxinas até a produção de substâncias essenciais para a coagulação sanguínea.
Em um cenário alarmante, a esteatose hepática já superou o consumo excessivo de álcool e as infecções por vírus das hepatites como a principal causa de falência hepática, muitas vezes exigindo transplante. Essa realidade está diretamente ligada ao aumento global da prevalência de sobrepeso, obesidade e diabetes tipo 2, condições que também são alvo de medicamentos da classe dos análogos de GLP-1, como o próprio Wegovy, o Ozempic e o Mounjaro.
Sem um tratamento adequado, que inclui mudanças profundas no estilo de vida e na dieta, a doença pode evoluir para complicações severas:
- Cirrose hepática
- Câncer de fígado
- Aumento significativo do risco de doenças cardiovasculares
Os resultados do estudo que embasaram a aprovação
A chancela da Anvisa não veio por acaso. Ela se baseia nos resultados robustos do estudo clínico de fase 3 chamado ESSENCE. A pesquisa envolveu 1.197 pessoas diagnosticadas com esteatose hepática com inflamação e fibrose, que foram divididas de forma aleatória em dois grupos.
Um grupo recebeu injeções semanais de Wegovy, enquanto o outro recebeu placebo – injeções sem o princípio ativo. O acompanhamento durou 72 semanas, e todos os participantes foram orientados a manter hábitos de vida saudáveis e seus cuidados médicos de rotina.
Os números finais foram expressivos e definiram a aprovação:
- 63% dos pacientes que usaram Wegovy apresentaram o desaparecimento da inflamação no fígado. No grupo placebo, esse índice foi de apenas 34%.
- 37% dos voluntários tratados com a droga obtiveram melhora no estágio da fibrose (cicatrizes no fígado).
- 33% dos pacientes colheram ambos os benefícios: resolução da inflamação e melhora da fibrose.
Um marco no tratamento hepático
Para a comunidade médica, especialmente para especialistas em fígado e endocrinologistas, a nova indicação do Wegovy representa um divisor de águas. Até então, as opções terapêuticas farmacológicas para frear a progressão dessa forma avançada de gordura no fígado eram extremamente limitadas.
Em comunicado à imprensa, a endocrinologista Priscilla Mattar, vice-presidente médica da Novo Nordisk no Brasil, destacou a importância do momento. "A aprovação de hoje é um marco no tratamento", afirmou. "Até agora, os pacientes tinham poucas opções para frear a progressão da doença. Ter uma terapia que demonstrou não apenas reverter a inflamação em mais de 60% dos pacientes, mas também melhorar a fibrose hepática, é um avanço que pode mudar o curso do problema".
A aprovação regulatória especifica que o Wegovy poderá integrar o plano terapêutico de adultos com esteatose hepática associada a inflamação e disfunção metabólica, que apresentem fibrose em estágio moderado a avançado. Isso significa que o medicamento está indicado para casos em que o fígado já sofre com lesões que geraram cicatrizes.
Com essa decisão, a Anvisa não apenas amplia o arsenal contra uma epidemia hepática, mas também valida cientificamente o papel da semaglutida em uma frente de batalha que vai muito além do controle do peso e do diabetes, impactando diretamente a saúde de milhões de brasileiros.