
Quem diria? Depois de seis longas décadas sumido nas profundezas, aquele cruzeiro que todo mundo jurava que tinha viado para sempre deu as caras de novo. As águas que engoliram a cidade baixaram o suficiente e lá estava ele, firme e forte, testemunha silenciosa de um tempo que quase ninguém mais lembrava.
O negócio aconteceu lá em São Miguel do Tapuio, interior do Piauí – lugar que, convenhamos, não costuma aparecer no noticiário nacional. Mas dessa vez a história é das boas. O tal cruzeiro era o ponto central da vida religiosa da cidade até que, em 1966, uma enchente das bravas decidiu cobrir tudo com um manto d'água. E não foi pouco não: formou-se uma lagoa permanente de 18 quilômetros! Imagina a cena?
Memória Viva de Uma Geração
O mais incrível é que tem gente que ainda se lembra perfeitamente daquele cruzeiro no seu lugar original. Dona Maria de Sousa, 72 anos, conta com os olhos brilhando: "Eu era menina, mas lembro como se fosse hoje. Todas as procissões terminavam ali, era onde a gente se encontrava, rezava, celebrava a vida. Quando a água subiu, foi como perder um pedaço da nossa história".
E não foi só ela. Vários moradores mais antigos acompanharam emocionados o resgate. Teve até quem se arriscou a entrar na água para ajudar a amarrar o cruzeiro e puxá-lo para a margem. Uma verdadeira operação comunitária que misturou saudade, fé e aquela teimosia típica do povo nordestino.
Operação de Resgate: Mais Complexa do que Parecia
Pode parecer simples, mas tirar um marco de ferro e cimento de dentro d'água depois de 60 anos não é brincadeira não. A prefeitura precisou usar maquinário pesado e a ajuda de voluntários corajosos. O prefeito, Dr. Francisco Nascimento, não escondeu o orgulho: "É nossa história saindo das águas. Literalmente! Este cruzeiro representa a resistência do nosso povo".
E agora? O plano é restaurar o cruzeiro e colocá-lo em um local seguro, seco e visível para todo mundo. Provavelmente vai virar ponto turístico – porque, convenhamos, quantas cidades podem se orgulhar de ter uma relíquia dessas?
Simbolismo que Transcende o Tempo
O mais bonito dessa história toda não é só o objeto em si, mas o que ele representa. Esse cruzeiro testemunhou nascimentos, mortes, amores e desamores de uma comunidade inteira. Viu crianças brincando, velhos conversando, noivos se beijando. E depois sumiu, virou lenda, coisa que os mais novos só ouviam falar.
Seu Raimundo Nonato, 80 anos, resumiu bem: "A água levou muita coisa, mas não levou nossa fé. E agora ela devolve o que era nosso. É quase um milagre". E de fato, tem algo de milagroso nessa redescoberta.
Quem passa por São Miguel do Tapuio hoje dificilmente imagina que debaixo daquela lâmina d'água tranquila existe uma cidade adormecida. Ruas, casas, histórias – tudo submerso. O cruzeiro era a última peça do quebra-cabeça que faltava para fechar o ciclo emocional dessa comunidade.
E pensar que ele ficou lá, quietinho no fundo, esperando o momento certo para ressurgir. Quase como se tivesse vida própria. Coisas do Nordeste, onde até as histórias submersas têm a teimosia de voltar à tona.