
Não foi só uma festa. Foi um encontro de almas, um reencontro com a essência do samba. Na noite de ontem, a quadra do Império Serrano — aquela que já viu nascer tantos hinos do gênero — pulsou diferente. Arlindo Cruz, o cara que transformou dor em poesia e batucada em terapia, estava no centro dessa roda emocionante.
Quem chegou cedo viu: o lugar já fervia às 19h. A galera, mistura de jovens de primeira viagem e veteranos de guerra (a guerra do samba, claro), não disfarçava a ansiedade. "Parece até dia de desfile", comentou um senhor de cabelos brancos, equilibrando uma cerveja e um sorriso largo.
O Show que Virou Lição
Quando Arlindo subiu ao palco — sem pressa, como quem chega em casa — o silêncio durou exatos três segundos. Depois? Explosão. O primeiro acorde de "Obrigado, Meu Pai" arrancou lágrimas até dos mais durões. E não era pra menos: a letra, escrita em gratidão ao pai de santo, ganhou nova camada de significado ali.
"Tem show que diverte, tem show que emociona. Esse aqui ensina", resumiu uma professora de 52 anos, dançando com a bolsa ainda no ombro. Ela tinha razão. Entre um samba e outro, Arlindo soltava pérolas: histórias da Velha Guarda, causos de terreiro, lembranças da Madureira dos anos 70.
Surpresas no Tablado
A noite reservava cartas na manga. Quando o coro de "Meu Lugar" começou, apareceram — que susto! — três gerações de intérpretes: desde o novíssimo Thiago Martins até o veterano Luiz Grande. Juntos, fizeram a plateia tremer no "vem provar do meu dendê".
- Momento arrepio: a bateria do Império entrou no meio de "Fala Meu Amor", criando uma levada que ninguém esperava
- Reviravolta emocional: Arlindo chamou ao palco sua filha, que cantou "Estrela Cadente" com a voz embargada
- Pérola do dia: "Samba não é ritmo, é destino", soltou o homenageado entre dois refrões
E não pense que foi só nostalgia. Quando rolou "Dona da Minha Cabeça", até o pessoal do fundão — que antes só balançava a cabeça — pulou como se estivesse na Sapucaí.
O Que Ficou
Às 23h30, quando os músicos já suavam há quatro horas seguidas, veio a cena mais simbólica: Arlindo, sem microfone, cantou o refrão de "Coisa da Antiga" só com o coro da plateia. Nada de amplificação — só voz e emoção crua. "Isso aqui é resistência", alguém gritou da plateia. Ninguém discordou.
No final, quando já arrumavam as cadeiras, um detalhe chamou atenção: várias crianças — algumas no colo, outras já firmes no passinho — ainda cantarolavam os sambas. Parece que a lição de ontem vai ecoar por mais algumas gerações. E o Império Serrano? Segue firme, provando que samba bom não tem aposentadoria.