
Não era um dia qualquer na Bahia. O céu de Salvador parecia mais pesado, como se também sentisse o baque da notícia que correu rápido pelas ruas de paralelepípedos: Preta Gil havia partido. Aos 48 anos, a artista deixou um vazio que vai muito além dos palcos — era voz, era luta, era identidade.
Na Praça do Campo Grande, um grupo de fãs improvisou um memorial com velas, fotos e flores. "Ela era nossa", dizia uma senhora de turbante, enquanto ajustava a moldura de uma imagem da cantora. Do outro lado da rua, um jovem batucava no atabaque o refrão de "Sina", música que virou hino de resistência.
Do outro lado do Atlântico
Em Vitória, a comoção não foi menor. O prefeito Lorenzo Pazolini decretou luto oficial de três dias — e olha que nem todo mundo concorda com essas medidas, mas desta vez pareceu justo. "Perdemos uma guerreira", declarou, com aquela voz embargada que todo político tenta disfarçar.
Os bares da orla, que normalmente tocavam axé e pagode, resolveram fazer uma maratona musical da obra de Preta. Até os pescadores mais antigos, que dizem não gostar de "música moderna", reconheciam ali algo especial.
O legado que fica
Não é só sobre música, claro. A ativista que lutou contra o racismo e pela visibilidade LGBTQIA+ deixou marcas profundas. Na UFBA, alunos já organizam um seminário sobre seu impacto na cultura brasileira. "Ela foi ponte entre tradição e vanguarda", reflete a professora Lúcia Santana, enquanto ajusta os óculos.
Nas redes sociais, a comoção foi imediata. Memes, trechos de entrevistas, vídeos antigos — tudo virou forma de dor e celebração. Até aquela cena icônica da novela "América", onde sua personagem diz "Sou negra, sou linda", ressurgiu como um mantra coletivo.
Enquanto isso, na casa onde Preta passou a infância, no Rio Vermelho, vizinhos se revezam para deixar mensagens no portão. Algumas escritas com caneta, outras apenas riscadas a lápis — todas dizendo, cada uma à sua maneira: obrigada.