
Era ainda madrugada quando os primeiros passos ecoaram nas estradas de terra do Cariri. Pés calejados, corações leves — assim começava mais uma jornada de fé que atravessa décadas. Não é só uma caminhada, me conta dona Maria, de 72 anos, enquanto ajusta o lenço no pescoço. É como se a gente carregasse no peito o mesmo amor que nossos avós tinham pelo 'santo homem'.
O sol nem havia nascido direito, e já se via uma fila de gente subindo a serra — uns de chinelo velho, outros descalços mesmo, cada um com sua história pra contar. Tem quem venha por gratidão, quem peça cura, quem só queira sentir aquela paz que, dizem, paira no ar de Juazeiro.
O cheiro de romaria
Não tem como confundir — o cheiro de pó, suor e velas acesas é a marca registrada desses dias santos. Enquanto isso, os violeiros vão tocando modinhas que até as pedras do caminho parecem conhecer. 'Essa aqui', diz seu José, puxando o primeiro verso, 'meu pai cantava quando eu era menino, e o pai dele antes disso'.
E não é que a coisa pega? De repente, um coro de vozes roucas se forma, e até as crianças — que minutos antes reclamavam do calor — se embalam no ritmo. A fé, nesse pedaço do mundo, tem som e cor. Tem o amarelo do sol, o marrom da terra, o branco das roupas prometidas.
Das promessas às memórias
Alguns carregam cruzes pesadas nos ombros; outros, ex-votos esquisitos que fariam qualquer médico torcer o nariz. Tem foto, cabelo, até muleta pendurada na parede da igreja — cada objeto uma história de milagre. 'Ah, mas o maior milagre', me sussurra uma senhora enquanto amarra uma fita no portão, 'é ver tanta gente diferente junta, sem briga, só no amor do Padim'.
E de fato, ali ninguém pergunta de onde vem ou quanto tem no bolso. O que vale é o passo no chão, a reza na boca, aquele jeito meio teimoso de acreditar que, no fim da estrada, algo — ou alguém — escuta.
Quando a noite cai e as lamparinas acendem, dá pra ver no olho da gente o mesmo brilho de antigamente. Talvez seja isso, no fundo, que mantém viva a chama da devoção: não as pedras da igreja, mas os passos que, ano após ano, insistem em voltar.