
Não foi um simples adeus. O velório de Arlindo Cruz, realizado nesta terça-feira no Rio de Janeiro, transformou-se num verdadeiro ritual de passagem — cheio de simbolismos que falavam mais alto que palavras. Quem esteve lá sentiu: o samba perdia um mestre, mas ganhava uma lenda eterna.
As roupas brancas e claras dominavam o ambiente, como se todos tivessem combinado de vestir luz num dia de escuridão. "Ele sempre gostou de cores vivas", comentou um velho amigo, ajustando o lenço amarrado no pescoço — desses que Arlindo adorava. Até o caixão seguiu a cartilha: branco imaculado, com detalhes em dourado que brilhavam feito os versos do compositor.
O gurufim que virou homenagem
Eis um detalhe que não passou despercebido: o tradicional gurufim — aquela corrente de ouro que virou marca registrada do sambista — repousava sobre o peito dele durante toda a cerimônia. "Parecia que ele ia levantar a qualquer momento e começar a cantar", disse uma fã emocionada, enxugando as lágrimas com um lenço que tremulava no ar como bandeira.
Os instrumentos musicais dispostos ao redor do corpo contavam uma história sem palavras. Um cavaquinho aqui, um pandeiro ali — como se estivessem apenas "descansando" entre um samba e outro. Quase dava pra ouvir o som deles, misturado ao choro e às risadas de quem lembrava das noites inesquecíveis ao lado do artista.
O samba não cala
Num momento que arrepiava, os presentes começaram a cantarolar clássicos de Arlindo sem combinar. Foi espontâneo, como tudo que ele representava. Alguns batiam palma no ritmo errado (ele certamente riria disso), outros desafinavam sem pudor. Não importava. Era a alma do samba brasileiro pulsando, teimando em não se render à dor.
Curioso notar como até os detalhes mais sutis falavam sobre o artista: as flores brancas intercaladas com vibrantes vermelhos — exatamente como ele mesclava doçura e paixão em suas composições. E aquele cheiro de gardênia no ar? Alguém jurou que era o perfume preferido dele, embora ninguém pudesse confirmar. Fazia sentido, então ficou.
Quando a cerimônia terminou, sobrou no ar aquela sensação estranha: de vazio, mas também de completude. Arlindo se foi, mas o samba — ah, o samba! — esse ficou. E como ficou. Nos gestos, nas memórias, no jeito desengonçado como um senhor tentou dar uns passos de dança ao sair, murmurando: "Esse é pro mestre".