Mato Grosso do Sul: 48 anos como celeiro do sertanejo, do raiz ao agronejo
MS: celeiro do sertanejo do raiz ao agronejo

O estado de Mato Grosso do Sul, que completa 48 anos, tem uma trilha sonora oficial: o sertanejo. De Almir Sater e Delinha a Luan Santana e Ana Castela, o território sul-mato-grossense se consolidou como um dos principais celeiros do gênero musical no Brasil, abrigando desde as raízes caipiras até as batidas modernas do agronejo.

Das raízes à reinvenção: a evolução do sertanejo sul-mato-grossense

Segundo o pesquisador de música regional da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Evandro Higa, o estado sempre teve o ritmo musical como parte fundamental de sua identidade. Campo Grande é a segunda capital brasileira que mais consome sertanejo, de acordo com a pesquisa Cultura nas Capitais, realizada pela JLeiva Cultura & Esporte em parceria com o Datafolha.

Higa explica que os rótulos "sertanejo raiz" e "sertanejo universitário" são construções que se transformam com o tempo. "O que é raiz hoje, ontem já foi moderno", afirma. Ele cita como exemplo as gravações da dupla Cascatinha & Inhana, nos anos 1950, vistas como uma modernização da música caipira das décadas anteriores.

O chamado sertanejo universitário, por sua vez, surgiu em Campo Grande nos anos 1990. O movimento teria começado na Chopperia do Rádio Clube com a dupla João Bosco & Vinícius, então estudantes de veterinária da UFMS. "Eles faziam um som acústico, de violão e voz, que agradava os universitários. Daí veio o nome", detalha o pesquisador.

A força da tradição rural e da fronteira

A profunda conexão de Mato Grosso do Sul com o sertanejo tem raízes na sua formação social e cultural. "O estado tem uma base agrária e rural muito forte", destaca Higa. Essa ligação com o campo vem desde o século 19, com a chegada de imigrantes de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

Outro fator crucial foi a influência da fronteira com o Paraguai. Ritmos como a polca paraguaia e a guarânia se misturaram às modas de viola e ao rasqueado sul-mato-grossense, criando uma sonoridade única. Artistas como Mário Zan foram essenciais para moldar esse estilo nas décadas de 1940 e 1950.

João Paulo Pompeu, filho dos ícones Délio e Delinha, reforça a importância do rasqueado. "O sertanejo raiz que minha saudosa mãe cantava, o rasqueado, foi a base de tudo. Ela foi denominada como Dama do Rasqueado porque saiu de Mato Grosso do Sul e levou esse ritmo para São Paulo", conta. Ele explica que o ritmo tem forte influência paraguaia e é a base para outros estilos.

Gerações que definiram o ritmo

O estado é um raro exemplo onde o sertanejo raiz e o universitário coexistem com força. Enquanto Délio & Delinha e Almir Sater representam a tradição, artistas como Luan Santana e João Bosco & Vinícius projetaram a visão do jovem do campo na cidade.

O cantor Loubet, natural de Bela Vista, personifica o "sertanejo bruto" e de vivência. "Sou um sertanejo de verdade. Nasci e cresci em fazenda, aprendi a lida na roça e carrego isso na minha arte", define. Para ele, vertentes como o agronejo dão voz ao campo e aos trabalhadores rurais.

A dupla pioneira do universitário, João Bosco & Vinícius, vê com orgulho o legado. "Naquele momento o sertanejo invadiu as universidades e passou a ser o ritmo dos mais jovens. Hoje temos a certeza de que não fazíamos ideia do quanto o movimento que começou no MS mudaria a rota do gênero", afirma Vinícius.

Do rasqueado ao Grammy: o fenômeno Ana Castela

A mais recente representante dessa linhagem musical é Ana Castela. Nascida em Amambai e criada em Sete Quedas, na fronteira com o Paraguai, a cantora de 22 anos viralizou durante a pandemia com um vídeo caseiro cantando uma música de Loubet.

Em 2021, ela lançou o single "Boiadeira", que não só explodiu nas plataformas digitais como também cunhou a estética do "agronejo", levando as referências rurais sul-mato-grossenses para um patamar global e até mesmo ao Grammy.

Além dela, outros nomes nascidos no estado seguem fazendo história no gênero, como Michel Teló, Munhoz & Mariano e Luan Santana, comprovando que Mato Grosso do Sul respira e produz sertanejo em todas as suas formas, do raiz mais tradicional às batidas que dominam as paradas nacionais.