
O samba vestiu luto nesta sexta-feira. Arlindo Cruz — sim, aquele que fazia os pés dançarem mesmo nos dias mais cinzentos — partiu aos 66 anos. E o que dizer de um homem que transformou batidas de pandeiro em poesia?
Nascido no Rio de Janeiro em 1958, o garoto de Madureira tinha o ritmo no sangue. Mal sabia ele que seu nome se tornaria sinônimo do melhor do samba brasileiro. Das rodas de fundo de quintal aos grandes palcos, sua voz rouca e cheia de ginga conquistou gerações.
Do terreiro ao mundo
Quem viveu os anos 1980 e 1990 sabe: Arlindo era a voz do Fundo de Quintal. Junto com o grupo, reinventou o samba — trouxe o banjo, o tantã, e uma energia que pegava até quem "não levava jeito". Músicas como "Bagaço da Laranja" e "Do Fundo do Nosso Quintal" viraram hinos.
Mas foi como solista que mostrou toda sua genialidade. "O Show Tem Que Continuar", lançado em 2001, é daquelas obras que arrepiam até hoje. E quem não se lembra do clássico "Meu Lugar", parceria com Almir Guinéto? Até o asfalto do Rio parecia balançar quando tocava.
Mais que um artista, um patrimônio
Arlindo não fazia apenas música — ele contava histórias. Suas letras falavam de amor, sim, mas também da dura realidade das favelas, da fé, da resistência negra. Um cronista do cotidiano carioca, com a batida certa e a palavra precisa.
Nos últimos anos, mesmo enfrentando problemas de saúde — um AVC em 2015 quase o silenciou —, continuou compondo e inspirando. Sua última apresentação foi em junho, no Rio. E como era típico dele, deixou o público com gosto de "quero mais".
O velório acontecerá no Teatro João Caetano, no Centro do Rio. Justo num palco — onde sempre esteve em casa. O samba perde seu filho dileto, mas ganha mais uma estrela no céu. E como ele mesmo cantava: "o show tem que continuar".