Mestre Lourival do Igarapé, ícone do carimbó no Pará, deixa legado aos 74 anos em Belém
Mestre Lourival, rei do carimbó no Pará, morre aos 74 anos

Era uma tarde chuvosa de agosto quando a notícia correu como um rastilho de pólvora pelos bairros de Belém. Lourival do Igarapé — aquele mesmo que fazia os pés mais duros dançarem ao som do curimbó — não resistiu. Partiu aos 74 anos, deixando não só saudades, mas um legado que atravessa gerações.

Quem nunca viu o velho mestre, com seu chapéu de palha já desbotado pelo tempo, marcando o compasso com aquela batida única? Parecia que o ritmo nascia dele, como se os tambores falassem sua língua. "O carimbó é a alma do povo", costumava dizer, entre um gole de café e outra história da beira do rio.

O ritmo que virou patrimônio

Não foi à toa que o carimbó ganhou status de Patrimônio Cultural do Brasil em 2014. Mestres como Lourival mantiveram viva essa tradição que mistura indígena, africano e português — uma verdadeira colher de pau na panela da cultura brasileira. E olha que ele nem era dos mais velhos na roda! Mas tinha uma autoridade que só quem nasceu com o dom sabe ter.

Se você nunca sentiu o chão tremer com o "tum-tá-tum" característico do ritmo, perdeu metade da experiência de ser paraense. Era assim nas festas de São João, nos terreiros da periferia, até nos projetos sociais que o mestre tocava com a paciência de quem ensina criança a amarrar cadarço.

O adeus que não será em silêncio

A família — aquela de sangue e a de coração, formada por dezenas de discípulos — prometeu: o velório e o enterro terão o que ele mais amava. Música. Muita música. "Vai ser como ele queria: simples, mas com o coração batendo no compasso do carimbó", contou um sobrinho, a voz embargada.

Enquanto isso, nas redes sociais, a comoção tomou conta. De artistas locais a admiradores anônimos, todos lembravam histórias. Teve quem citasse aquela vez que ele passou a noite ensinando ritmo para turista teimoso. Outros, a paciência com que explicava a diferença entre o carimbó "pau e corda" e as variações modernas.

Uma pergunta fica no ar: quem vai pegar o tambor agora? Difícil dizer. Mas uma coisa é certa — o som que ecoou por mais de sete décadas não vai se calar tão cedo. Como dizia o próprio mestre: "O bom ritmo é igual maré, vai e volta, mas nunca some".