
Ela não era só mais uma vendedora. Therezinha Moysés era parte da paisagem urbana de Juiz de Fora — aquela figura que todo mundo conhecia, mesmo sem nunca ter entrado na sua loja. Morreu aos 92 anos, no último sábado (9), deixando um vácuo que vai além das prateleiras vazias.
Quem passava pela Rua Halfeld — ah, a Halfeld! — nos últimos 60 anos, via ali uma mulher baixinha, sorriso fácil e um jeito de atender que parecia coisa de outro tempo. "Minha cliente não é cliente, é amiga", dizia, enquanto embrulhava pacotes com dedos ágeis, apesar da idade.
Raízes profundas
Nascida em 1933, Therezinha começou a trabalhar cedo — muito cedo, pra ser sincero. Aos 12 anos, já ajudava os pais num pequeno comércio. "Naquele tempo, criança trabalhava e ninguém achava estranho", contava, rindo da cara dos tempos modernos.
Em 1964, abriu seu próprio negócio: uma lojinha de presentes e utilidades que resistiu a crises econômicas, inflação galopante e até à chegada dos shoppings centers. "Eu não vendo produto, vendo relação", explicava, quando perguntavam o segredo da longevidade.
O cotidiano como filosofia
Acordava às 5h30, sem despertador. Tomava café forte, "como deve ser". Abria a loja pontualmente às 8h — "atraso é desrespeito". Fechava para o almoço, sempre em casa, sempre com família. Voltava às 14h e só saía quando o último freguês fosse embora.
- Nunca usou computador
- Anotava tudo em cadernos encardidos
- Fazia contas de cabeça mais rápido que calculadora
- Conhecia o nome de todos os netos dos clientes
"Ela tinha uma memória afetiva que dava inveja", lembra Dona Marta, vizinha há 40 anos. "Lembrava até do presente de aniversário que vendeu pra alguém em 1978."
Despedida em paz
Nos últimos anos, reduziu o ritmo — mas só um pouco. Continuou indo à loja quase diariamente, mesmo com dificuldades de locomoção. "Se eu ficar em casa, morro antes da hora", brincava, com aquela sabedoria popular que os livros não ensinam.
Morreu dormindo, na casa onde viveu décadas, cercada por fotos de formatura, casamentos e batizados de gerações que passaram pela sua vida — e pela sua loja. "Partiu do jeito que sempre quis: sem alarde, sem drama, só paz", resume o neto Carlos.
Juiz de Fora perdeu mais que uma comerciante. Perdeu um pedaço da sua história — daquelas que não voltam mais.