
Imagine viver em casas suspensas sobre as águas, num cenário que parece saído de um filme - só que sem o romantismo. Essa é a rotina de centenas de famílias no bairro do Guamá, em Belém, onde as palafitas são mais que moradia: são testemunhas silenciosas de um descaso que já dura gerações.
"A gente se acostuma com tudo, menos com a falta de dignidade", desabafa Dona Maria, 72 anos, enquanto equilibra baldes d'água na passarela de madeira que treme a cada passo. Ela é uma das muitas que carregam essa realidade nas costas - literalmente.
Entre promessas e baldes d'água
Com a COP30 batendo à porta, a prefeitura prometeu - de novo - resolver o problema do abastecimento de água até 2025. Mas os moradores ouvem discursos parecidos desde que se lembram por gente. "Todo ano é a mesma novela: vem eleição, vem promessa, depois some tudo", comenta Seu Zé, enquanto conserta mais uma vez o cano improvisado que leva água da casa do vizinho.
Os números assustam:
- 87% das casas dependem de ligações clandestinas ou baldes
- Apenas 3 ruas têm água encanada regular
- Doenças como leptospirose são 5 vezes mais frequentes aqui
O paradoxo da modernidade
Enquanto Belém se prepara para receber o mundo na COP30, essa comunidade vive um apartheid urbano. Celulares de última geração convivem com banheiros que deságuam diretamente no rio. "Meus netos sabem usar internet, mas nunca tomaram banho de chuveiro", conta uma moradora, num misto de orgulho e vergonha.
O problema vai além da água. Sem esgoto tratado, o cheiro forte marca o ar pesado. Nos dias de chuva, o lixo flutua entre as casas - um retrato cruel do que especialistas chamam de "injustiça ambiental".
COP30: esperança ou mais do mesmo?
A conferência climática trouxe um fio de esperança. "Finalmente estão nos enxergando", diz o líder comunitário João Arraia, mostrando o projeto de urbanização que nunca saiu do papel. Mas a desconfiança é grande. Afinal, quantas reuniões já aconteceram nesses 100 anos?
Enquanto isso, a vida segue no ritmo das marés. De manhã cedo, filas se formam no único chafariz público. À noite, velas iluminam casas que parecem flutuar no escuro. E no meio disso tudo, uma pergunta que não quer calar: até quando?