
Não foi só de palavras que se fez a noite desta sexta-feira no Rio. Entre aplausos e olhos marejados, Miriam Leitão — aquela que há décadas decifra o Brasil com sua pena afiada — finalmente vestiu o fardão verde e dourado dos imortais. A Academia Brasileira de Letras nunca mais será a mesma.
Quem diria que a menina de Caratinga (MG), que começou a carreira cobrindo inflação nos anos 1980, acabaria ocupando a cadeira número 5, antes pertencente ao jurista Evandro Lins e Silva? A história gosta dessas ironias deliciosas.
Uma festa de letras e afetos
O salão nobre da ABL parecia um romance de Machado de Assis ganhando vida. Na primeira fila, familiares e amigos — incluindo o marido, o também jornalista Sérgio Abranches — não disfarçavam a emoção. "É como ver minha avó recebendo um Nobel", confessou uma das netas, entre selfies e abraços apertados.
O discurso de posse? Ah, esse foi pura Miriam: metade análise econômica, metade poesia. Quando citou Drummond — "no meio do caminho tinha uma pedra" —, fez pausa dramática: "Só esqueceram de avisar que a pedra era inflação de 80% ao mês". A plateia riu e chorou ao mesmo tempo.
O que muda na ABL
- Primeira economista a ocupar uma cadeira na Academia
- Vai coordenar o comitê de ciências humanas
- Promete "oxigenar" as discussões com dados e literatura
Numa jogada típica de quem sempre antecipou crises, Miriam já adiantou seu projeto: criar uma ponte entre números e narrativas. "A economia explica o Brasil, mas é a literatura que lhe dá alma", filosofou, ajustando as lentes dos óculos — gesto que seus leitores conhecem bem das crônicas televisivas.
Os acadêmicos mais tradicionais pareciam divididos entre o ceticismo e a curiosidade. Um deles, que pediu para não ser identificado, resmungou: "Ela vai querer colocar gráficos nas paredes do Petit Trianon?". Já um jovem imortal apostou: "É exatamente esse choque que precisamos".
Enquanto isso, nas redes sociais, a hashtag #MiriamImortal viralizou. De economistas a fãs de suas crônicas na Rádio CBN, todos lembravam frases marcantes — como aquela vez que comparou o Real a "um filho que nasceu premiado mas foi criado por parentes negligentes".
Agora, entre um debate sobre Proust e a análise do último IPCA, Miriam promete manter o estilo que a consagrou: "Vou continuar traduzindo o Brasil — só que agora com direito a dicionário Aurélio e um cafezinho no casarão da Avenida Presidente Wilson".