O Brasil registrou pelo menos 593 mil denúncias de abuso sexual infantil online apenas em 2024, segundo dados do Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos (NCMEC). A informação, divulgada inicialmente pelo jornal O Globo e confirmada pela ONG Safernet à Folha de S.Paulo, coloca o país em uma posição alarmante no ranking global.
O ranking mundial e a tendência de aumento no Brasil
Com esse volume de relatórios, o Brasil ocupa a sétima posição entre os dez países com os maiores números de denúncias de exploração sexual infantil online. A lista é liderada pela Índia, que registrou impressionantes dois milhões de notificações. Os números brasileiros de 2024 representam um crescimento em relação ao ano anterior, quando foram contabilizadas 567 mil ocorrências.
Esse aumento nacional vai na contramão da tendência global observada pelo NCMEC. A entidade americana registrou uma queda de 40% no total de denúncias entre 2023 e 2024, passando de 36,2 milhões para 20,5 milhões em todo o mundo. A discrepância chama a atenção de especialistas.
Entendendo os dados e os desafios das plataformas
Thiago Tavares, à frente da Safernet, organização que defende os direitos humanos na internet, iniciou uma análise preliminar dos dados. Ele ressalta que é necessária uma investigação mais profunda para entender os fatores por trás do crescimento. "Pode estar relacionado a um aumento da conscientização pública e denúncias de grupos online", pondera Tavares.
É crucial entender a origem desses números. Os relatórios do NCMEC vêm de empresas de internet que operam nos Estados Unidos ou têm presença no país. Isso significa que plataformas como Kwai e Telegram não entram na contagem, pois suas denúncias seguem outros canais. Quando essas empresas identificam imagens ou vídeos de abuso, produzem um relatório enviado ao NCMEC, que os repassa às autoridades dos países envolvidos – no caso do Brasil, à Polícia Federal.
Outro ponto importante é que esses números não representam diretamente casos, vítimas ou pessoas envolvidas. Cada notificação corresponde a um relatório, que pode conter duplicidades. Uma mesma imagem compartilhada em várias plataformas gera múltiplos registros, já que cada empresa produz seu próprio documento.
Além disso, o critério que vincula um relatório ao Brasil não é a nacionalidade da vítima, mas o local da conexão usada para enviar o material. Se o upload for feito a partir de um endereço IP associado a um provedor brasileiro, o caso é encaminhado ao Brasil, mesmo que a vítima seja de outro país.
A realidade paralela das denúncias à Safernet e o caso Felca
Em paralelo aos dados do NCMEC, a Safernet registrou uma queda nas denúncias de exploração sexual infantil recebidas diretamente por sua central em 2024, comparado a 2023. No entanto, a organização alerta que isso não significa uma internet mais segura. A redução estaria ligada à migração desse crime para aplicativos de mensagens fechados, como o Telegram, onde a detecção é mais difícil. O Telegram afirma ter política de tolerância zero para pornografia ilegal e usar moderação humana e inteligência artificial no combate a crimes.
Um evento recente demonstrou o poder da conscientização. Em agosto deste ano, após a divulgação de um vídeo do influenciador Felca alertando sobre a adultização e exploração de crianças na internet, a Safernet viu as denúncias explodirem. Houve um aumento de 114% nas denúncias de imagens de abuso sexual infantil em seu sistema, comparando a primeira semana de agosto de 2024 com o mesmo período do ano anterior – saltando de 770 para 1.651 queixas.
No vídeo, que motivou projetos de lei e discussões públicas, Felca denuncia como criadores de conteúdo lucram explorando vídeos com teor sexual envolvendo crianças e adolescentes. A Safernet já abordava questões citadas por ele, como o uso do Telegram para distribuir e vender vídeos de abusos, e a utilização de acrônimos, siglas e emojis por criminosos para solicitar conteúdo ilegal – como as letras "c" e "p" para se referir a "child pornography".
Os dados revelam um cenário complexo de combate à exploração sexual infantil online no Brasil, que exige não apenas ações de repressão, mas também contínuo esforço de educação e conscientização da sociedade.