
Não é todo dia que políticas públicas descem do papel para ganhar o cheiro de terra molhada e o calor das discussões comunitárias. Na última terça (13), o governo do Pará botou o pé na estrada — ou melhor, no rio — para realizar a 10ª rodada de consultas com extrativistas do Baixo Amazonas sobre o sistema REDD+.
O encontro, que rolou em Santarém, reuniu dezenas de ribeirinhos, coletores de castanha e quebradeiras de coco babaçu. Gente que, como diz o ditado popular, "tira o sustento da mata sem derrubar um pé". E olha que não foi conversa fiada: representantes de secretarias estaduais encararam perguntas afiadas sobre como os créditos de carbono podem virar benefícios reais.
O jogo virou
Diferente das primeiras reuniões — quando o assunto parecia um bicho de sete cabeças —, desta vez o papo foi direto ao ponto. "Antes a gente só ouvia. Agora tá todo mundo craque no assunto", contou Maria do Socorro, líder comunitária de 52 anos que já perdeu as contas de quantas canoas pegou pra participar desses debates.
- Critérios de repartição de benefícios
- Transparência na aplicação dos recursos
- Garantias contra "enganação" de intermediários
Esses foram os três pontos que ferveram nas discussões. E não é pra menos: enquanto o mundo discute mudança climática em hotéis com ar-condicionado, essas comunidades veem o termômetro subir no dia a dia — literalmente.
Do global para o local
O REDD+, pra quem não sabe, é aquela história de pagar pra manter floresta em pé. Só que no Pará, o mecanismo ganhou cara de gente. "Aqui não é só carbono na planilha", explicou o secretário adjunto de Meio Ambiente, mostrando mapas que pareciam obras de arte — cheios de riscos coloridos demarcando áreas de uso coletivo.
O pulo do gato? Incluir saberes tradicionais no desenho dos projetos. Afinal, quem melhor pra cuidar da mata do que quem conhece cada cipó, cada trilha, cada época de colheita? A proposta é transformar esse conhecimento — que antes não valia nem um real — em moeda de troca no mercado de créditos.
E olha que curioso: enquanto a burocracia estatal normalmente anda a passos de jabuti, essas consultas estão rolando num ritmo que até as formigas cortadeiras acham rápido. Já são dez encontros em menos de dois anos — coisa rara nos meandros da administração pública.
O que vem por aí
Próximos passos? Levar as demandas pra mesa de negociação com investidores internacionais. Mas tem um detalhe: como garantir que o dinheiro não vire "vento na palha", como dizem os mais velhos? A solução pode estar nos fundos comunitários, onde as próprias comunidades decidem os investimentos.
Enquanto isso, nas margens do Tapajós, o debate continua — misturado ao cheiro de farinha torrada e ao barulho dos botes chegando com mais participantes. Porque no fim das contas, como cantam os trabalhadores nas rodas de carimbó: "conversa boa é que nem rio, nunca para de correr".