A atriz francesa Brigitte Bardot, que faleceu aos 91 anos, havia se afastado das produções cinematográficas ainda na década de 1970 para se dedicar integralmente à defesa dos animais. Em entrevista concedida em maio deste ano, a artista revelou que já não se sentia motivada pelo cinema naquela época, criticando a falta de boas histórias, roteiros e diretores.
O ponto de virada: uma cabra e um churrasco
O momento decisivo para abandonar a carreira aconteceu durante as filmagens de "L'Histoire très bonne et très joyeuse de Colinot Trousse-Chemise", em 1973. Bardot contou ao jornal Le Monde, em 2018, que havia uma figurante idosa com uma cabra no set. A atriz visitava o animal sempre que podia, até que a senhora revelou seus planos: assim que as gravações terminassem, a cabra seria usada em um churrasco para a Primeira Comunhão de seu neto.
Horrorizada com a situação, Brigitte Bardot não pensou duas vezes: comprou a cabra imediatamente. Ela levou o animal para seu hotel de quatro estrelas, onde ele dormiu em seu quarto e até em sua cama, ao lado de seu cachorro. "Esse foi o ponto de virada. Adeus ao cinema", declarou a atriz.
Da associação improvisada à Fundação Bardot
Inicialmente, Bardot tentou criar uma pequena associação de proteção animal, mas se viu asfixiada pela burocracia. Foi um amigo quem a apresentou ao então ministro do Interior da França, que lhe explicou que uma fundação teria um alcance e uma estrutura muito maiores.
O grande obstáculo era o capital necessário: 3 milhões de francos, um valor que ela não possuía. Determinada, a ex-atriz decidiu leiloar praticamente todos os seus bens de valor para levantar o montante. A lista incluía joias dadas por Gunter Sachs, móveis de seus pais, sua guitarra, o vestido de noiva de seu casamento com Roger Vadim e até a primeira estátua da Marianne, símbolo nacional francês, feita com suas feições.
Com o sucesso do leilão, Brigitte Bardot fundou oficialmente sua fundação em 1988. Posteriormente, ela também doou sua propriedade em Saint-Tropez para a instituição. Sobre esse período de sacrifícios, ela afirmou: "Naquele momento, eu tinha me tornado uma guerreira!".
Ativismo, reconhecimento e polêmicas
Seu trabalho em defesa dos animais foi reconhecido internacionalmente. Em 2001, a organização PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) lhe concedeu o Prêmio Humanitário, especialmente por sua luta contra a caça às focas. Durante a Copa do Mundo de 2002, ela propôs um boicote a produtos sul-coreanos em protesto ao consumo de carne de cães e gatos no país.
No entanto, sua postura firme e declarações contundentes também a levaram a várias condenações por racismo na Justiça francesa. Em 1997, foi multada por criticar uma prática islâmica de sacrifício de ovelhas durante o festival de Eid al-Adha, em entrevista ao Le Figaro. Em 2021, foi novamente condenada por insultos racistas após escrever uma carta em 2019 na qual chamou os habitantes da ilha de Reunião de "nativos que preservaram seus genes selvagens", comparando o local à "ilha do diabo".
Seu ativismo também se voltou para outras personalidades. Em 2015, escreveu uma carta emocionada para Choupette, a gata do estilista Karl Lagerfeld, pedindo que ela "ronronasse no ouvido" de seu dono para que ele abandonasse o uso de peles. Em 2017, criticou o Papa Francisco em uma carta aberta, questionando sua atenção à migração humana em detrimento, segundo ela, do sofrimento dos animais.
A trajetória de Brigitte Bardot deixa um legado marcado pela paixão incondicional pela causa animal, mas também por controvérsias que refletem o tom inflexível e combativo que ela adotou em sua segunda vida, longe dos holofotes do cinema.