Indígenas Tembé protestam contra construção de estrada no Pará: 'Nossa terra está sangrando'
Tembé protestam contra obra que ameaça território ancestral no Pará

Não é de hoje que os Tembé, guardiões de uma cultura milenar, veem seu território ser rasgado por interesses alheios. Dessa vez, a ameaça vem sob a forma de máquinas pesadas e promessas vazias de progresso.

"Eles dizem que é desenvolvimento, mas pra nós é só destruição", afirma Arakatã Tembé, cacique da aldeia Tekohaw, com as mãos sujas de terra vermelha. O tom de voz, mistura de cansaço e determinação, ecoa entre os mais de 150 indígenas que bloquearam o acesso ao canteiro de obras na manhã desta quarta-feira (23).

O conflito que vem de longe

Desde que os primeiros tratores apareceram no horizonte, há três luas, o povo Tembé sente o cheiro de problema no ar. A estrada, que cortaria 42 km de floresta primária, é apresentada pelo governo como "prioridade logística". Os indígenas, porém, enxergam outra realidade:

  • Árvores centenárias derrubadas sem consulta prévia
  • Cursos d'água que abastecem as aldeias ameaçados
  • Caça e pesca, base da alimentação tradicional, em risco

"Meu avô me ensinou que quando a terra sangra, o povo chora", diz Juçara, artesã de 62 anos, enquanto tece um cesto com fibras de tucum. "Essa ferida aberta na floresta não vai cicatrizar tão cedo."

O jogo político por trás do asfalto

Enquanto isso, em Belém, o discurso oficial insiste no mantra do "crescimento econômico". O secretário de Infraestrutura, Raimundo Oliveira, garante que "todos os protocolos foram seguidos" — afirmação que faz os Tembé revirarem os olhos.

"Protocolo pra eles é papel assado", provoca o jovem guerreiro Wyra Tembé, de 19 anos. "A gente vive aqui há 500 gerações, e agora precisam nos ensinar o que é bom pra nossa terra?"

Juridicamente, a briga é complexa. De um lado, a FUNAI emite pareceres técnicos contra a obra. De outro, o governo estadual pressiona pela "agilidade nos processos", num jogo de empurra que já dura sete meses.

O que está em jogo?

Além do óbvio conflito ambiental, especialistas apontam riscos invisíveis a primeira vista:

  1. Perda de conhecimento tradicional sobre plantas medicinais
  2. Pressão sobre áreas ainda não demarcadas
  3. Aumento do desmatamento ilegal com a abertura de novas frentes

"Não se trata apenas de árvores ou estradas", reflete a antropóloga Marina Silva (não, não é aquela). "É sobre o direito de existir de um povo que já resistiu a tantas tentativas de apagamento."

Enquanto o sol se põe sobre a floresta, os Tembé preparam mais uma noite de vigília. As crianças brincam entre os pés de açaí, alheias à batalha jurídica que se desenrola a centenas de quilômetros dali. Os adultos, porém, sabem: essa luta vai muito além do barulho das máquinas.