
Ela chegou ainda criança, prometiam cuidar dela como se fosse da família. Mas a realidade que encontrou foi bem diferente - uma rotina pesada de trabalho doméstico, sem carteira assinada, sem direitos, sem salário digno. Uma daquelas situações que a gente sabe que acontecem por aí, mas raramente vem à tona.
Agora, anos depois, a Justiça finalmente deu um basta. O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) determinou que a família pagasse R$ 50 mil de indenização por danos morais àquela que criaram como filha, mas trataram como empregada.
Uma vida de serviço pesado
Lavar, passar, cozinhar, limpar - a rotina era pesada mesmo. Ela trabalhava de segunda a segunda, praticamente sem folga. E o pior: sem receber por isso direito. Diziam que era 'para o seu próprio bem', que estava 'aprendendo a ser útil'.
Mas a verdade é que exploraram a vulnerabilidade dela. Quando você é tratado como filha, mas exige-se de você como empregada, cria-se uma confusão danada na cabeça. Não sabe se é família, se é funcionária, se é as duas coisas - ou nenhuma das duas.
A virada na Justiça
A decisão veio após uma batalha judicial que revelou detalhes constrangedores. A relatora do caso, desembargadora Rosemeire Fernandes, não teve dúvidas: caracterizou-se claramente a exploração de trabalho análogo à escravidão.
"A situação de vulnerabilidade da reclamante foi explorada pela família", afirmou a magistrada, com aquela clareza que só quem está acostumado a ver injustiças consegue ter.
O valor da indenização - R$ 50 mil - pode parecer alto para alguns, mas será que paga anos de dignidade perdida? De adolescência roubada? De trabalhos realizados sem a devida contraprestação?
Um problema que vai além deste caso
O que mais me impressiona é como esse caso não é isolado. Quantas 'filhas de criação' por aí não estão na mesma situação? Mulheres que chegaram ainda crianças nas famílias, prometeram educação e cuidado, e acabaram virando mão de obra barata - quando não gratuita.
É aquela velha história: sob o pretexto de 'fazer parte da família', nega-se direitos trabalhistas básicos. Como se afeto pagasse contas, ou carinho substituísse carteira assinada.
A decisão judicial manda um recado importante: relações de afeto não anulam direitos trabalhistas. E mais - que a Justiça está de olho nessas situações de exploração disfarçada de 'acolhimento familiar'.
No final das contas, o caso serve de alerta. Mostra que ainda temos muito que avançar no reconhecimento dos direitos de quem trabalha dentro de casa - seja empregada registrada, seja aquela que chegaram prometendo tratar como filha.