Um encontro marcado por oração e simbolismo político ocorreu no Palácio do Planalto nesta terça-feira, 23 de dezembro de 2025. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a bênção do deputado federal e pastor Otoni de Paula, figura que já foi aliada de Jair Bolsonaro, em um momento estratégico de aproximação com o eleitorado evangélico.
Decreto e Bênção no Planalto
O encontro aconteceu logo após a assinatura de um ato presidencial de grande significado para uma parcela da população: o decreto que reconhece a cultura gospel como manifestação da cultura nacional. A medida é vista como um aceno direto aos fiéis evangélicos, um grupo eleitoral numericamente significativo e com grande influência.
Na sequência da cerimônia, o deputado Otoni de Paula, pastor da Assembleia de Deus Missão e Vida e filiado ao MDB do Rio de Janeiro, dirigiu-se ao presidente. Em um gesto gravado e posteriormente divulgado nas redes sociais pelos participantes, incluindo a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o parlamentar orou por Lula e o abençoou.
"Presidente, não tenho ouro e não tenho prata, disse o apóstolo Pedro. Mas o que tenho eu dou", declarou Otoni, citando as escrituras. "E eu queria, em nome de Jesus, nesse momento, abençoar o senhor, orar pelo senhor, e pedir que Deus lhe ilumine, que Deus lhe guarde, que Deus lhe proteja. Porque quando oramos pelo presidente estamos abençoando toda a nação". A oração também incluiu pedidos pela saúde do presidente, de sua família e de seu governo.
Discurso de União em Meio à Polarização
O tom do encontro foi de superação de divisões partidárias no campo da fé. O pastor-deputado enfatizou que a igreja "não é de direita, não é de esquerda". Ele argumentou que o decreto assinado por Lula insere os evangélicos no contexto da "justiça social" promovida pelo governo, mesmo reconhecendo as diferenças ideológicas profundas entre ambos.
"Sei que a política está polarizada, mas a igreja não pode fazer parte da polarização", afirmou Otoni de Paula, admitindo que ele, conservador e de direita, e Lula, progressista e de esquerda, vêm de "mundos diferentes".
Em suas redes sociais, o presidente Lula ecoou o sentimento de união além da política. "A fé, o respeito e o amor não têm partido político. Quando cuidar do povo é o propósito dos governantes, Deus abençoa e capacita", escreveu. E completou: "Reconhecer a cultura é um ato democrático. Valorizar a fé é um gesto de amor".
Reações e Consequências Políticas
A cena, no entanto, não passa despercebida no conturbado cenário político brasileiro. Otoni de Paula, que foi líder do governo Bolsonaro na Câmara, rompeu publicamente com o ex-presidente. Esse distanciamento se intensificou após ele coordenar a campanha do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), no meio evangélico e, principalmente, depois de um primeiro encontro com Lula em outubro de 2024, quando criticou Bolsonaro.
Como consequência, o deputado tem sido alvo constante de ataques de antigos aliados. Um de seus principais opositores é o pastor Silas Malafaia, que já o chamou de "comunista gospel". A postura de Otoni reflete uma mudança discursiva radical. Ele já expressou publicamente arrependimento por algumas de suas posições passadas, inclusive aquelas manifestadas em púlpitos.
"Me arrependo quando gritei 'mito' num lugar onde só deveria cultuar o Senhor", declarou o parlamentar em discurso na tribuna da Câmara, em uma referência direta ao apelido usado por apoiadores de Bolsonaro.
O encontro no Planalto, portanto, vai além de um simples gesto religioso. Ele sela uma reaproximação política pragmática, gera descontentamento em uma ala bolsonarista e coloca em evidência a complexa e por vezes conflituosa relação entre religião, política e poder no Brasil. A bênção dada no palácio do governo é também um capítulo significativo na reconfiguração de alianças no cenário pós-eleitoral.