Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados pode adiar a entrada de versões mais baratas de medicamentos essenciais no mercado brasileiro, com impacto direto nos custos do Sistema Único de Saúde (SUS) e no bolso do consumidor. O PL 5810/2025 propõe a extensão de patentes de remédios, um mecanismo já considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O que propõe o PL 5810/2025?
O texto do projeto retoma a possibilidade de prorrogar patentes farmacêuticas além do prazo máximo de 20 anos já estabelecido em lei. Na prática, isso significa que medicamentos com patentes prestes a vencer, como o Ozempic (cujo vencimento está previsto para 2026), poderiam ganhar uma sobrevida de até cinco anos adicionais no mercado.
Com a prorrogação, a concorrência de versões genéricas ou biossimilares (medicamentos biológicos similares) seria retardada. Isso mantém o monopólio das empresas detentoras das patentes, impedindo a queda natural dos preços que ocorre com a entrada de concorrentes.
Vale destacar que o mecanismo de extensão de patentes foi declarado inconstitucional em 2021 pelo STF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529. A proposta, portanto, reacende uma disputa jurídica e política sobre o acesso a medicamentos no país.
Quais medicamentos são afetados e os impactos no SUS
Além do Ozempic, usado no tratamento de diabetes e obesidade, a medida atingiria uma série de remédios de alto custo. Entre eles estão medicamentos fundamentais para tratamentos de câncer e doenças autoimunes, como Keytruda, Opdivo, Eylea e Stelara.
O impacto financeiro para o SUS seria significativo. Os dados são reveladores: embora os medicamentos biológicos representem apenas 17,7% do volume adquirido pelo Ministério da Saúde, eles são responsáveis por 71,61% do total gasto com medicamentos. Adiar a concorrência significa manter essa desproporção por mais tempo, pressionando ainda mais os já limitados recursos da saúde pública.
O Brasil é o maior polo de produção de biossimilares da América Latina, com um mercado que movimenta cerca de US$ 5 bilhões (aproximadamente R$ 27,6 bilhões) e cresce 14% ao ano. A aprovação do PL criaria um cenário de insegurança jurídica para este setor em expansão.
Tramitação urgente e posicionamentos
O projeto recebeu um requerimento de urgência com mais de 300 assinaturas de deputados. Esse trâmite permite que a matéria vá diretamente para votação no plenário, sem passar por debates nas comissões temáticas, sem audiências públicas e sem consulta a órgãos técnicos como o Ministério da Saúde ou à sociedade civil organizada.
De um lado, a indústria farmacêutica inovadora, que seria beneficiada pela extensão das patentes, argumenta em defesa do projeto. Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil (associação que reúne 12 grandes empresas do setor), defende que a medida é essencial para garantir o acesso à saúde e o equilíbrio das contas públicas.
De outro, especialistas em saúde pública e defensores do acesso a medicamentos alertam para o aumento imediato dos custos e o risco de desabastecimento. Atrasos na entrada de versões mais acessíveis podem limitar o tratamento para milhares de pacientes que dependem do SUS.
A discussão do PL 5810/2025 coloca em jogo não apenas bilhões de reais dos cofres públicos, mas o próprio direito à saúde de milhões de brasileiros que aguardam por tratamentos mais acessíveis.