Um comitê de consultores de vacinas dos Estados Unidos aprovou, nesta sexta-feira (5), uma mudança significativa na política de imunização do país. A recomendação de longa data para que todas as crianças recebam a vacina contra a hepatite B ao nascer foi descartada. A decisão representa uma importante vitória política para o secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., mas é alvo de duras críticas de especialistas em saúde pública, que temem um retrocesso de décadas no combate à doença.
O que mudou na recomendação
Por meio de votação, o comitê decidiu que a dose da vacina contra hepatite B ao nascer será mantida apenas para um grupo específico: bebês cujas mães tenham teste positivo para o vírus. Essa medida substitui a recomendação universal em vigor desde 1991, que visava proteger todas as crianças contra infecções que podem evoluir para doenças hepáticas graves, como cirrose e câncer.
Para os recém-nascidos de mães com teste negativo, o painel estabeleceu uma nova diretriz. A partir de agora, os pais, em consulta com um profissional de saúde, devem decidir quando ou se a criança iniciará o esquema vacinal. O comitê sugeriu que a primeira dose seja oferecida não antes dos dois meses de idade. Além disso, recomendou que seja feito um teste de anticorpos contra a hepatite B nas crianças antes da decisão sobre as doses subsequentes.
Reações e críticas da comunidade médica
A mudança foi recebida com preocupação por especialistas em doenças infecciosas e saúde pública. Eles argumentam que a adoção de um modelo de "decisão clínica compartilhada" criará barreiras desnecessárias à vacinação. Para os críticos, os pais já têm autonomia sobre os cuidados com os filhos, e a nova recomendação pode confundir as famílias e os próprios médicos.
O Dr. William Schaffner, especialista em medicina preventiva da Vanderbilt University e ex-membro do comitê, foi um dos que se manifestou. Ele afirmou que as principais entidades médicas do país, como a Academia Americana de Pediatria e o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, devem continuar a recomendar a vacinação universal no nascimento. "Acho que essas sociedades importantes continuarão a recomendar a vacina no nascimento", declarou.
Durante a reunião de dois dias que antecedeu a votação, houve debates acalorados. Dois membros do comitê argumentaram veementemente contra a mudança, destacando que não há novos dados que justifiquem a alteração e que existem décadas de informações comprovando a segurança e a eficácia da vacina. Joseph Hibbeln, ex-funcionário dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), alertou: "Veremos mais crianças, adolescentes e adultos infectados com hepatite B".
O contexto político por trás da decisão
A mudança na recomendação da vacina contra hepatite B não é um fato isolado. Ela faz parte de um esforço mais amplo do secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., para remodelar a política de vacinas dos EUA. Kennedy, fundador do grupo antivacina Children's Health Defense, demitiu em junho os 17 especialistas independentes que compunham o comitê anterior e os substituiu por um grupo que, em grande parte, apoia suas visões.
Outras medidas controversas já haviam sido tomadas, incluindo o abandono de recomendações amplas para a vacina contra a Covid-19, o corte de financiamento para vacinas de mRNA e o aconselhamento, sem base científica comprovada, para que gestantes evitem o uso de Tylenol (paracetamol), alegando uma suposta ligação com autismo.
O comitê tem um papel crucial, pois suas recomendações orientam o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e afetam diretamente a cobertura dos planos de saúde americanos, servindo de guia para os médicos na escolha das vacinas para seus pacientes.
Posicionamento internacional e riscos à saúde
A decisão dos EUA coloca o país em descompasso com as diretrizes globais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todos os bebês recebam a vacina contra a hepatite B o mais cedo possível após o nascimento, seguida de duas ou três doses com intervalo mínimo de quatro semanas. A OMS alerta que aproximadamente 95% dos recém-nascidos infectados desenvolvem a forma crônica da hepatite.
Alguns membros do novo comitê, como Retsef Levi, matemático do MIT, questionaram a segurança da vacina, apesar das vastas evidências científicas em contrário. "As pessoas deveriam desconfiar muito, muito mesmo, quando alguém lhes diz que algo é seguro, especialmente uma vacina", afirmou Levi durante os debates.
Especialistas independentes, no entanto, reforçam que a vacina contra hepatite B é uma das mais estudadas e seguras do mundo, e sua aplicação universal ao nascer é considerada um pilar da saúde pública moderna, responsável por prevenir milhares de infecções e casos de doença hepática a cada ano.