O ex-presidente Jair Bolsonaro e outros seis condenados pelo chamado "núcleo crucial" da tentativa de golpe de Estado poderão cumprir parte de suas penas no Distrito Federal e no Rio de Janeiro. Uma das alternativas para reduzir o tempo de prisão, que no caso de Bolsonaro é de 27 anos e três meses, é a participação no programa de remição pela leitura.
Como funciona a remição de pena por leitura
Para cada obra literária comprovadamente lida e com relatório aprovado, o custodiado tem direito ao abatimento de quatro dias de sua pena. O processo, no entanto, depende de autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito que resultou nas condenações.
Os condenados têm um prazo de 21 dias para concluir a leitura de cada livro e depois mais 10 dias para entregar um relatório. A avaliação leva em conta a estética textual, a fidedignidade e a clareza do material produzido. No Distrito Federal, o limite é de 11 obras por ano, o que pode resultar em até 44 dias de remição anuais.
Autores santistas na lista oficial
O g1 teve acesso à lista completa de livros homologados pela Justiça para o programa. Entre as obras autorizadas, destacam-se títulos de escritores nascidos ou ligados à cidade de Santos, no litoral de São Paulo.
Adriana Carranca, jornalista formada pela Universidade Católica de Santos (Unisantos) e premiada internacionalmente, tem sua obra "Malala: A Menina Que Queria Ir para a Escola" na relação. O livro, que narra a história de Malala Yousafzai, já venceu o prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Em suas redes sociais, Adriana comentou: "Como jornalista e escritora, fico feliz em contribuir com a ressocialização de presos no Brasil". Ela não se manifestou especificamente sobre o caso de Bolsonaro.
Djamila Ribeiro, filósofa, ativista e uma das principais vozes do movimento negro e feminista no país, tem duas obras na lista: "Cartas para minha avó" e "Pequeno Manual Antirracista". Djamila, que recebeu a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas em Santos e recentemente se tornou a primeira brasileira a lecionar no programa Dr. Martin Luther King Jr. do MIT, também não comentou o caso ao g1.
José Roberto Torero, escritor e jornalista santista autor de mais de 50 livros, tem três obras incluídas: "Uma História de Futebol", "João e os 10 Pés de Feijão" (em coautoria) e "Terra Papagalli". Diferente dos demais, Torero se manifestou claramente ao g1, afirmando preferir que o ex-presidente não leia seus livros e cumpra a pena integral. "Se ele fosse ler um livro meu, acho que o mais indicado seria o romance 'Os vermes', narrado por um verme que mora em um político", disse o autor.
Pedro Bandeira, outro escritor santista com mais de 100 livros publicados e vencedor de prêmios como o Jabuti, tem a obra "Alice no País da Mentira" na lista. Bandeira, especialista em técnicas de leitura, não se pronunciou sobre a possibilidade de Bolsonaro ler seu livro.
Critérios e lista ampla de obras
A lista oficial de livros é elaborada por professores de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação do DF que atuam exclusivamente na política de remição. São proibidas obras que promovam qualquer tipo de violência ou discriminação.
Além dos autores santistas, a relação inclui clássicos da literatura e obras que tratam de temas como ditadura, democracia, racismo e questões de gênero. Entre os títulos disponíveis estão "A Revolução dos Bichos" e "1984", de George Orwell; "O Conto da Aia", de Margaret Atwood; "Um Defeito de Cor", de Ana Maria Gonçalves; e "Democracia", de Philip Bunting.
A Secretaria de Administração Penitenciária do DF defende o programa como "uma ferramenta transformadora no sistema prisional, promovendo leitura, desenvolvimento intelectual e redução de pena por meio da educação".
É possível ainda que os réus se juntem a clubes do livro dentro das unidades prisionais. Se autorizados pela Justiça, esses grupos podem sugerir novas obras para inclusão no programa de remição.