O Senado Federal aprovou, na última semana, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que inclui expressamente o marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas. A decisão ocorre em meio a uma acirrada disputa com o Supremo Tribunal Federal (STF), que já havia considerado a tese inconstitucional em 2023 e retomou, nesta segunda-feira (15), o julgamento de ações sobre o tema.
O que é o marco temporal e por que ele gera polêmica?
O marco temporal é uma tese jurídica que estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que já estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A aplicação desse critério é alvo de intensos debates entre diferentes setores da sociedade.
De um lado, lideranças indígenas e ambientalistas se opõem veementemente ao marco. Eles argumentam que a referência é injusta, pois ignora expulsões e violências sofridas durante períodos como a ditadura militar, além de desconsiderar a natureza nômade de algumas comunidades, que podem ter uma ligação histórica e cultural com um território mesmo sem ali residir fisualmente na data específica.
Do outro lado, representantes do agronegócio e produtores rurais defendem a adoção do critério. Para eles, o marco temporal traz segurança jurídica e objetividade aos processos de demarcação, ajudando a solucionar conflitos fundiários que se arrastam por anos.
Uma batalha entre os Poderes: STF x Congresso
O conflito institucional em torno do tema se intensificou em 2023, quando o plenário do STF, por maioria, julgou inconstitucional a aplicação do marco temporal. A Corte estabeleceu uma diretriz para que tribunais inferiores seguissem o mesmo entendimento.
Contrariando a decisão do Supremo, o Congresso Nacional aprovou, ainda no ano passado, um projeto de lei que fixava o marco temporal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou trechos do texto, mas os vetos foram derrubados pelos parlamentares, e a lei entrou em vigor.
Com a norma em vigor, o STF foi acionado novamente por partidos políticos, entidades indígenas, ambientalistas e ruralistas, totalizando quatro ações que questionam a validade da lei. O ministro Gilmar Mendes, relator dos processos, tentou um acordo entre as partes, mas a conciliação não foi possível no ponto central da disputa.
A recente movimentação do Senado e o julgamento virtual do STF
Na última terça-feira, o Senado deu um passo além e aprovou, em dois turnos, a PEC que insere o marco temporal no texto constitucional. A proposta agora segue para análise da Câmara dos Deputados, onde também precisará ser votada duas vezes. Se aprovada definitivamente pelo Congresso, a emenda será promulgada pelas Mesas das duas Casas, não dependendo de sanção ou veto do presidente da República.
Paralelamente, o STF retomou o julgamento das ações que contestam a lei do marco temporal. Nesta segunda-feira (15), a análise começou no plenário virtual, um formato em que os ministros depositam seus votos em um sistema online. O julgamento está previsto para seguir até a próxima quinta-feira (18), a menos que haja pedidos de vista (mais tempo para análise) ou de destaque (que levaria a matéria para o plenário físico).
A decisão do Senado ocorreu um dia antes de o Supremo iniciar, na semana passada, a fase de alegações orais desse mesmo julgamento. A tensão entre os Poderes também foi alimentada por uma decisão recente do ministro Gilmar Mendes sobre processos contra ministros do STF, aumentando o clima de confronto institucional.
O desfecho dessa disputa histórica definirá o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil. Enquanto o Congresso avança para cristalizar o marco temporal na Constituição, o STF avalia, mais uma vez, sua validade perante a Carta Magna. O resultado terá impactos profundos na vida dos povos originários, no agronegócio e no equilíbrio entre os Poderes da República.