A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de restringir à Procuradoria-Geral da República (PGR) a iniciativa de processos de impeachment contra membros da Corte desencadeou uma reação imediata no Congresso Nacional. Parlamentares de diferentes frentes passaram a semana movimentando uma série de propostas legislativas que têm um objetivo comum: limitar a atuação do STF, a mais alta instância do Judiciário brasileiro.
Reação em cadeia no Legislativo
A resposta do Congresso foi rápida e multifacetada. Logo após o ato do decano do Supremo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que reduz significativamente o alcance das decisões monocráticas. Pela proposta, essas decisões, tomadas individualmente por um ministro, precisariam do endosso dos onze integrantes da Corte para ganharem validade plena. O texto agora segue para análise no Senado Federal.
Paralelamente, deputados da bancada bolsonarista, como Nikolas Ferreira (PL-MG) e o Coronel Luciano Zucco (PL-RS), iniciaram a coleta de assinaturas para apresentar Propostas de Emenda à Constituição (PECs). Essas PECs visam devolver a parlamentares e até a cidadãos comuns o poder de protocolar pedidos de impeachment de ministros do STF, mecanismo que hoje é de competência exclusiva da PGR.
O acúmulo de pedidos no Senado ilustra a tensão: atualmente, há 81 requerimentos de impeachment parados na mesa da presidência da Casa. O ministro Alexandre de Moraes é o principal alvo, com 43 pedidos, enquanto Gilmar Mendes acumula dez. Nenhum deles recebeu andamento processual.
Mudanças na composição e no mandato da Corte
As iniciativas não se limitam ao impeachment. O senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro no Senado, apresentou uma PEC que propõe uma revolução no modo de escolha dos ministros. No lugar do modelo atual, em que o presidente da República indica um nome único para sabatina no Senado, a proposta de Portinho prevê que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elabore uma lista sêxtupla com base em critérios técnicos e curriculares.
Dessa lista, o presidente selecionaria três nomes, que então seriam enviados para a aprovação final do Senado. A mudança busca dar mais transparência e impessoalidade ao processo.
Outro tema que ganha força com vários projetos em tramitação é a instituição de um mandato fixo para os ministros do STF. A ideia, que já foi defendida publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevistas anos atrás, é adotada em Supremas Cortes de outros países. Na Câmara, há uma proposta antiga, de autoria de Flávio Dino, de 2009, quando ele era deputado. No Senado, a proposta mais robusta é do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que em sua versão mais recente defende um mandato de doze anos para os integrantes do STF.
O poder final do Supremo e o jogo político
Este movimento do Congresso coloca em evidência o delicado sistema de freios e contrapesos entre os Poderes. No entanto, existe um paradoxo central nessa disputa: qualquer lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula que restrinja os poderes do STF pode ser derrubada pelo próprio Supremo.
A Corte pode fazer isso por meio dos instrumentos de controle de constitucionalidade, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADO) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). Embora o STF não possa iniciar esses processos por conta própria, basta que um partido político ou entidade legitimada ingresse com a ação para que um único ministro, em decisão monocrática, suspenda a eficácia da lei questionada.
O cenário atual, portanto, configura um embate institucional de alto nível, onde o Congresso tenta redesenhar as regras do jogo, mas o STF detém a última palavra sobre a constitucionalidade dessas mesmas regras. O desfecho dessa disputa definirá novos parâmetros para o equilíbrio entre os Poderes no Brasil.