A Justiça do Estado de São Paulo determinou a suspensão de um novo concurso público para professor de literaturas africanas em língua portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). A decisão, proferida nesta segunda-feira (15), atende a um recurso de seis concorrentes e visa evitar consequências em um eventual julgamento favorável à candidata aprovada no processo anterior, Érica Cristina Bispo, que teve sua nomeação revogada.
O caso e a controvérsia
O cargo foi aberto inicialmente em 30 de setembro, após a anulação de um edital anterior. A anulação do primeiro concurso ocorreu devido a suspeitas de parcialidade da banca examinadora, que supostamente teria relações de amizade com Érica Bispo, a candidata aprovada em novembro de 2024. Sua nomeação foi revogada em março deste ano.
Os seis concorrentes que entraram com o recurso argumentam que Bispo seria incapacitada para a função e teria recebido notas altas injustificadas devido à intimidade com as professoras da banca. Como prova, apresentaram fotografias em que a então aprovada aparece em grupos com as avaliadoras. Em uma das imagens, a legenda dizia "entre amigos é muito bom".
Érica Bispo nega veementemente as acusações. Ela afirma que o número de especialistas em literaturas africanas no Brasil é reduzido e que é comum o encontro em congressos da área. A candidata defende que foi alvo de racismo, por ser a última candidata preta naquela concorrência.
Divergências institucionais
A Procuradoria da USP considerou que as imagens foram suficientes para comprovar a relação íntima e fundamentar a anulação do concurso. O Conselho Universitário da universidade, seu órgão máximo, acatou o parecer em 18 de março, com 59 votos a favor, 1 contra e quatro abstenções.
Entretanto, o Ministério Público de São Paulo, que também analisou o caso, emitiu um parecer contrário ao da USP. A Promotoria afirmou que não foi "evidenciada a atuação dolosa de qualquer agente público", referindo-se às professoras da banca. Este documento, no entanto, foi entregue após a decisão do Conselho Universitário.
Para Érica Bispo e seu advogado, Raphael de Andrade Naves, a posição do MP prova que a anulação foi injusta. Eles buscam a reversão da decisão na Justiça. O advogado vê na determinação judicial de suspender o novo edital um sinal de que "o judiciário está atento à complexidade do caso".
Repercussão e perfil da candidata
Uma das concorrentes que questionou a banca foi Larissa Lisboa, professora da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Ela afirma que a seleção foi problemática e que as fotos são "a prova de que algo estava errado". Lisboa, que também se declara mulher negra, rejeita a acusação de viés discriminatório no recurso, ressaltando que não aderiu às cotas raciais do edital.
Érica Bispo é graduada em Letras pela UFRJ, doutora em literaturas portuguesa e africanas e possui pós-doutorado em literatura guineense. Ela atua como professora de literatura e língua portuguesa no Instituto Federal do Rio de Janeiro desde 2015.
A candidata recebeu apoio público de entidades como a Associação de Escritores da Guiné-Bissau e o Congresso Internacional de Literaturas e Culturas Africanas. Em nota, o Congresso elogiou sua "sabedoria majestosa" e "seriedade exemplar" como estudiosa das epistemologias africanas no Brasil.
O juiz Marcelo Semer, da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que era necessário suspender o novo processo seletivo porque uma eventual decisão favorável a Bispo poderia gerar consequências para o novo concurso, que já estava em fase de homologação das inscrições. A USP, por sua vez, mantém que a decisão de anular o primeiro edital foi baseada em provas e aprovada por seu conselho máximo.